A exposição desinibida das dúvidas existentes no governo e no PT a respeito da conveniência política de o presidente Lula ir ou não ir ao debate da TV Globo hoje à noite parece mais uma tentativa de criar um fato em torno da dúvida para amenizar o efeito da recusa do que propriamente um dilema real.
Dizem que há defensores da ida argumentando que Lula iria "arrebentar" (no sentido de sair-se bem) e advogados da ausência alegando risco de "massacre" (no sentido de questionamento a respeito dos escândalos) por parte dos adversários. "Fontes" cuidam de espalhar a versão de que, pessoalmente, Lula está "louco para ir", mas examina prós e contras com seus assessores. E aí a história começa a não combinar com a realidade.
Avesso ao contraditório na mesma proporção de seu apreço pelo monólogo, o presidente da República em seus quatro anos de governo jamais esteve "louco" para ir a lugar algum onde pudesse ser contestado.
Nesse período, deu apenas uma entrevista coletiva formal e, não por capricho, mas por reverência a uma visão autocrática do poder, impôs a regra da inexistência do direito à réplica aos entrevistadores.
Convicto da vitória no primeiro turno, desde o início avisou que debates só no segundo turno, na expectativa de, assim, não comparecer a nenhum, conforme convenção não-escrita entre a maioria dos candidatos mais bem posicionados na pesquisa.
Há os que receiam armadilhas e alterações de votos na última hora e há os que não comparecem por puro tédio, como parece ter sido o caso do governador de Minas, Aécio Neves, cuja eleição equivale praticamente a uma homologação das urnas.
Perde o eleitor, esvazia-se o instrumento do embate de posições como ato de campanha, reinam cada vez mais sozinhas as pesquisas, mas determinadas excelências parecem não ligar muito o nome da votação que lhes proporciona quatro anos de poder à pessoa do eleitor.
Lula só vai ao debate de hoje se pesquisas mostrarem alto risco na ausência
No caso específico de Lula, se os assessores palacianos dissessem com franqueza que, por causa do escândalo do dossiê, ele aguardava as pesquisas de ontem para medir e pesar a necessidade de tentar recuperar terreno perdido num lance de tudo ou nada, a cena não seria tão inverossímil.
Mas a história de que Lula examina a questão baseado apenas na avaliação do sucesso ou fracasso de seu desempenho não convence. Até porque a habilidade na esgrima do diálogo não se enquadra entre seus atributos positivos.
O histórico recente e passado mostra que no bate-rebate de argumentos sua irritação, soberba e falta de compromisso com a coerência o levam a cometer impropriedades, para dizer o mínimo.
Sendo assim, o dano potencial da exibição de uma cadeira vazia tarde da noite - ainda que a cena seja repetida no dia seguinte nos noticiários - é infinitas vezes menor que o risco de uma explosão de temperamento, uma atuação agressiva ou uma argumentação mal construída que o exponha a um juízo negativo da parte de seus eleitores.
No balanço de perdas e ganhos é óbvia a desproporção em favor das perdas. Dificilmente alguém deixará de votar em Lula só porque ele não foi ao debate, tendo, assim, demonstrado covardia ou mesmo confessado culpas.
Agora, muita gente pode mudar o voto - principalmente os integrantes da legião dos levemente insatisfeitos, mas conformados - se Lula disser algo comprometedor ou desastroso.
Como esta última hipótese nem de longe é improvável, evidentemente que a oposição passou o dia de ontem dizendo que aposta na presença de Lula no debate e ressaltando a "excelente oportunidade" que ele terá para se defender. Conversa.
Os adversários querem que ele vá justamente contando com a enorme capacidade que o presidente Lula tem de se enrolar na própria língua. Estão ávidos por um escorregão às vésperas do pleito. O presidente e seus correligionários querem exatamente o contrário, protegê-lo o máximo possível, como de resto tem sido feito até agora.
Por que razão Lula estaria em dúvida entre as hipóteses de se expor ou se proteger?
Só haveria um motivo: se pesquisas qualitativas indicassem um tal risco na ausência que valesse a pena o salto no escuro. Mesmo assim, seria um risco detectado muito recentemente para justificar o suspense um tanto marqueteiro.
A conta é simples. Lula não indo significa que as coisas seguem o curso natural e o governo está certo da vitória.
Se for, terá detectado premência na recuperação de terrenos perdidos.
Débito
As suspeitas de que a Polícia Federal estaria conduzindo as investigações sobre o dossiê Vedoin com lentidão proposital atingiram a imagem da instituição.
Por conseqüência, atinge também uma das jóias exibidas pelo governo Lula que, se reeleito, não poderá no segundo mandato exibir a PF como exemplo de eficácia e referência de atuação "republicana". Em nome da eleição, o governo fez um saque alto no patrimônio de credibilidade na polícia.