terça-feira, julho 25, 2006

Politização do Mercosul Rubens Barbosa

Politização do Mercosul

Artigo -
O Globo
25/7/2006

O Conselho do Mercosul se reuniu em Córdoba, na Argentina, nos dias 21 e 22, para mais um encontro periódico de presidentes. A Argentina, que comandou o processo nos últimos seis meses, transferiu a presidência do Mercosul ao Brasil para o restante de 2006.

O primeiro semestre de 2006 foi um dos períodos mais difíceis na história do Mercosul. O aprofundamento da integração ficou comprometido pelo mecanismo de salvaguardas introduzido a pedido da Argentina, aumentou a insatisfação do Paraguai e do Uruguai quanto aos benefícios do processo para eles, surgiu um crescente número de disputas entre os países membros e decidiu-se ampliar o Mercosul com a inclusão da Venezuela, em uma decisão de natureza essencialmente política.

Como registrado na declaração presidencial, foram extremamente limitados os seus resultados econômicos, e nenhum progresso foi obtido nos tópicos mais relevantes para o aperfeiçoamento do Mercosul.

Embora morno na substância, o encontro em Córdoba foi dos mais coloridos e movimentados. A pirotecnia ficou por conta tanto da “cúpula alternativa”, ao estilo comício antiglobalização e antiamericano, quanto de Chávez e Fidel Castro, que roubaram a cena dos demais presidentes, como de hábito.

A principal característica da 30 reunião do Conselho do Mercosul foi a predominância da retórica política sobre a realidade econômica. A presença de Fidel é o exemplo mais forte da politização do Mercosul e, talvez, seja o símbolo do que o presidente Chávez chamou de “relançamento do Mercosul”.

Nessa nova fase do Mercosul, na minha visão, parece claro que começa a mudar a lógica do processo de integração do Cone Sul, com a formação do eixo Caracas-Buenos Aires, simbolizado pelo lançamento do “bônus do Sul”, projeto conjunto de títulos da dívida pública. Em conseqüência disso, várias propostas das duas capitais começam a ser analisadas pelo bloco: adesão da Bolívia como membro pleno, construção do megagasoduto bolivariano, Forças Armadas do Mercosul (propostas da Venezuela); observatório democrático e de direitos humanos e criação do Banco de Desenvolvimento do Sul (propostas da Argentina).

Uma outra faceta dessa nova fase é a precedência das agendas nacionais sobre a agenda da integração regional, como transparece nas ações da Venezuela, buscando a plataforma do Mercosul para seus próprios projetos: endosso à candidatura ao Conselho de Segurança da ONU, animosidade em relação aos EUA, em especial no tocante à Alca, e projeto alternativo da Alba, concretizado pelo Tratado de Comércio dos Povos entre Bolívia, Cuba e Venezuela.

Paraguai e Uruguai, que, insatisfeitos, buscam acordos de livre comércio com os EUA, apresentaram formalmente pedido para que fosse suspensa a regra do Mercosul impedindo negociações individuais de acordos comerciais com países extra-bloco. O pedido foi negado pelo Brasil, pois, na prática, implicaria o desmantelamento da união aduaneira.

Refletindo o ânimo de seus respectivos países, o presidente do Paraguai havia anteriormente declarado que “a entrada da Venezuela poderá transformar o Mercosul em um fórum de maniqueísmo político ou na exacerbação de confrontos ideológicos ou dogmáticos”. Celso Amorim, antes do encontro, fez entusiástica defesa da entrada da Venezuela, mas teria admitido que ela pode trazer “complicações políticas”.

O presidente Lula, por sua vez, afirmou em seu discurso que o Mercosul é como coração de mãe: sempre cabe mais um. Disse pretender “convencer Evo Morales e outros países a vir ao Mercosul, para ter todo mundo falando em Mercosul, do México à Patagônia, e trazendo Cuba também. Essa oportunidade não depende de nossos inimigos, mas de estarmos juntos, de construirmos juntos.” Provavelmente, não foi lembrada ao presidente a existência de uma “cláusula democrática” que torna inviável a incorporação ao bloco de alguns candidatos potenciais. Embora “apreensivo e com cuidado” com o futuro do bloco, não deixou de registrar que “o Mercosul está definitivamente mudando a geografia econômica do mundo”. O que não é pouca coisa, convenhamos.

O relançamento do Mercosul em bases tão nitidamente políticas é um equívoco e vai ter um custo econômico para o Brasil. O Mercosul terá condições de sobreviver na medida em que consiga se viabilizar economicamente. Se o substrato econômico e comercial não avançar, de nada adianta traçar planos grandiosos nos terrenos político ou social, que o edifício não se sustenta.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).