sábado, julho 29, 2006

Miriam Leitão Nova função

O GLOBO



O Banco Mundial e o FMI não estão mais conseguindo emprestar para países médios, os antigos grandes clientes dos organismos multilaterais. Quem conta isso é Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial, representante de nove países-membros, dentre eles, o Brasil. Os países emergentes estão com dinheiro em caixa e, por isso, a função do Bird está tendo que começar a mudar.

— Até o fim do ano, a China estará com US$ 1 trilhão em reservas. Está ficando difícil convencer os países a pegar dinheiro emprestado com o banco. Hoje acabamos sendo interessantes muito mais pela assistência técnica e pelo nosso selo, como é o caso do Bolsa Família — diz Otaviano Canuto.

Com os países emergentes, ou médios, aumentando o seu poder de investimento, o banco fica “sem dentes”, nas palavras de Canuto, para fazer exigências maiores nas áreas ambiental ou social na hora de conceder um empréstimo.

— O nosso aporte financeiro hoje é irrelevante. O banco está passando por mudanças e, em última instância, o grupo pode acabar deixando de emprestar para os países de renda média e passar a emprestar, principalmente, para os países de renda baixa — conta o diretor do Bird.

O Banco Mundial foi criado em 1944; era conhecido como Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (por isso usa-se a sigla Bird) e seu principal objetivo era ajudar no desenvolvimento e na redução da pobreza emprestando a taxas de juros mais baixas. Nestes mais de 60 anos, no entanto, diversas das suas estratégias não deram certo: a pobreza em muitos países não diminuiu e a desigualdade continua enorme. Hoje o próprio Banco Mundial reconhece suas falhas, sobretudo em países latino-americanos, onde, nos últimos 20 anos, a atuação do banco era combinada com as políticas de ajuste do FMI. Os pacotes vinham prontos de Washington e, muitas vezes, acabavam não se integrando à realidade local. O resultado disso foi que, mesmo em alguns casos nos quais as “receitas” dos organismos multilaterais foram seguidas perfeitamente, ou eles fracassaram, ou a melhora não chegou aos indicadores sociais. Agora, o Bird tenta mudar sua maneira de atuar.

— O banco hoje escuta mais o que o país tem a dizer, tenta convergir suas propostas com o interesse local; não trazer programas já prontos — comenta Otaviano Canuto.

No Brasil, o mais conhecido desastre financiado pelo Banco Mundial foi um programa em Rondônia e Mato Grosso nos anos 80: o Polonoroeste, que acabou ajudando no desmatamento de uma área semelhante à da Grã-Bretanha.

— Projetos como este fizeram com que o banco se afastasse de investimentos de infra-estrutura e assim ficamos desde 1995 até bem pouco tempo. Só agora estamos voltando a buscar parcerias para a infra-estrutura; afinal, se o Banco Mundial é de desenvolvimento, ele precisa procurar apoiar projetos desse tipo. O IFC (braço privado) vai começar agora um projeto na BR-116.

Quanto ao país, o Bird anda cheio de amores pelo Brasil desde os últimos resultados do Bolsa Família. Mesmo as críticas de que ele estaria ainda com problemas de focalização, não chegando aos mais pobres, ou apenas incentivando o consumo, são consideradas somente detalhes na “inegável” melhora causada na distribuição de renda. O desafio, acreditam, está em descobrir como tirar as pessoas da dependência do aporte do governo.

Na visão de Canuto, que trabalhou no Ministério da Fazenda no governo Lula, o Brasil vai bem em dois pontos de um tripé indispensável ao desenvolvimento do país: a macroeconomia e o social. O Bird é um defensor do Bolsa Família. Canuto acredita que o que não vai bem é a corporate responsibility , ou seja, o que diz respeito à iniciativa privada, à competitividade, ao marco regulatório. Isso sem falar na necessidade de se rever a qualidade do gasto público. Um dado curioso: quanto ao marco regulatório ambiental, pelo menos no que está escrito no papel, o Banco Mundial considera as exigências brasileiras mais duras que as deles próprios.

Otaviano Canuto acha que o mundo continuará crescendo bastante, isso porque cerca de 50% da população mundial — que vivem em China, Índia, Rússia e antigos países comunistas europeus — estão entrando agora no mercado de consumo e também ajudando a baixar o custo de produção, pois cobram salários mais baixos.

— Para os próximos 10, 15 anos, temos uma alta expectativa de crescimento, com commodities com preços altos. Os recursos minerais e energéticos deverão permanecer com preços 20%, 30% acima da média histórica. Isso reacende o interesse em regiões menos desenvolvidas e que têm em abundância estas matérias-primas, como é o caso da África — afirma ele.

Contudo, ainda que o Banco Mundial comece a se voltar mais para as regiões mais pobres, os países médios ainda são muito importantes como exportadores de políticas bem-sucedidas. Atualmente um projeto de transferência para o trabalhador rural no Brasil está sendo levado para a Índia enquanto, para cá, tenta-se trazer um exemplo interessante da capital das Filipinas, Manila, onde foi feita uma bem-sucedida privatização da companhia de saneamento.