O Globo |
23/5/2006 |
Novas pesquisas de opinião a serem divulgadas no decorrer da semana devem indicar que a popularidade do presidente Lula continua intocada, a despeito de todas as trapalhadas em que seu governo se mete constantemente, desde a malograda tentativa de liderar o bloco político do Mercosul até os efeitos da inação da política governamental de segurança pública, cujas conseqüências ficaram visíveis nos ataques de facções criminosas de que São Paulo foi vítima nos últimos dias. Os cientistas políticos têm discutido muito as razões da manutenção dessa popularidade e, resumindo o pensamento médio de seus pares, o cientista político Octávio Amorim Netto, da Fundação Getúlio Vargas, encontrou a resposta em duas dimensões: "uma que diz respeito à ação das elites políticas, e outra relacionada a percepções e atitudes do eleitorado". A seguir, relato essas conclusões e comento a situação atual e as perspectivas para a campanha eleitoral. 1) Lula ocupou bem o centro do espectro político, ao adotar uma política econômica conservadora, mas sem jamais assumir publicamente o que fez para não alienar demasiadamente os seus apoios políticos à esquerda. Essa manobra acabou tirando espaço do PSDB, um partido centrista, e o principal opositor do presidente. 2) Além de ter perdido espaço, a oposição não tem sabido construir uma alternativa consistente a Lula. O fato é que, até o momento, a campanha do ex-governador Geraldo Alckmin não tem conseguido deslanchar, envolvida em questões internas, tanto do PFL quanto do PSDB. Há uma sensação de que a candidatura Alckmin pode significar um verdadeiro "estelionato eleitoral" do ponto de vista de sua força política própria. O ex-governador, fora do Palácio dos Bandeirantes, parece ter perdido (alguns acham que nunca teve) a capacidade de comunicação com o público. Há quem o veja em estado de choque diante da realidade que terá que enfrentar na campanha eleitoral. Por enquanto, a decepção do PFL é grande, e os principais líderes tucanos parecem se afastar da candidatura. Com relação à recente crise com a Bolívia de Evo Morales, por exemplo, foi dada a Alckmin toda assessoria possível, coordenada por especialistas do Instituto Fernando Henrique Cardoso. Seus comentários críticos foram muito aquém, na ênfase e no conteúdo, dos subsídios recebidos, comentam os tucanos. Além do mais, a crise de segurança pública em São Paulo abalou seriamente o carro-chefe da campanha de Alckmin, o tal "choque de gestão". Voltando à análise de Octávio Amorim Netto, ao contrário da oposição à época de Collor, a atual oposição não conta com organizações de ação coletiva capazes de fazer grandes demonstrações de rua, que são instrumentos bastante eficazes de mobilização da opinião pública contra o governo. Ou seja, a oposição não tem sindicatos e estudantes ao seu lado, grupos que o atual governo soube muito bem cooptar. (A prova disso foi o fracasso do Dia da Dignidade Nacional, promovido no domingo passado para protestar nas ruas contra o governo) . Ainda segundo essa análise, Lula tem sabido utilizar bem as vantagens naturais de que desfruta o titular da Presidência, aparecendo diariamente na televisão para promover as ações do seu governo, e acertou em cheio — do ponto de vista eleitoral — ao optar por estender a Bolsa Família a mais de 10 milhões de famílias. No que toca a percepções e atitudes do eleitorado, Octávio Amorim Netto registra três pontos: A) As classes D e E, que são a grande maioria do eleitorado, têm percebido ou melhoria ou estabilidade no seu bem-estar material, o que resulta, naturalmente, em boa popularidade do governo federal. Aqui, ele lembra a famosa frase do marqueteiro do ex-presidente americano Bill Clinton — "É a economia, estúpido" — para explicar a boa receptividade do governo Lula junto ao eleitorado de mais baixa renda. Acho improvável que aconteça, ainda mais a tempo de mudar o panorama da eleição, mas a piora do quadro econômico internacional registrada nos últimos dias, se persistir, pode trazer dificuldades para o governo Lula que até o momento ele não teve que enfrentar. B) Essas classes têm pouca informação sobre o que acontece no dia-a-dia do mundo político e, portanto, ao contrário dos formadores de opinião, não têm se sensibilizado tanto com os escândalos de corrupção. C) As classes D e E parecem estar convencidas de que a classe política é bastante homogênea em termos de idoneidade. Isto favorece a Lula porque, como se ouve muito dizer nas ruas, "Todos são safados e, safado por safado, eu prefiro um igual a mim". Mesmo assim, a oposição parece estar se decidindo por uma campanha eleitoral mais agressiva, como queria o PFL, com base nas denúncias de corrupção. Eles acham que é possível diferenciar os políticos e jogar a culpa da corrupção para cima do PT e do próprio presidente. O prefeito do Rio, Cesar Maia, um estudioso do processo eleitoral e hoje um dos políticos que mais influenciam as decisões do PFL, acha que Lula não está fora do que chama de "processo de desgaste múltiplo dos políticos e dos governos". Caberia aos políticos da oposição, que ele chama de "agentes propagadores" de informação, "diferenciar o Lula na lama, mostrar como a parte que lhe toca — o diferencia gravemente — e afeta a vida das pessoas". O prefeito comemorou em seu ex-blog a decisão do PSDB de basear a campanha eleitoral nas denúncias de corrupção do governo Lula, e aconselhou: "Precisam saber em pesquisa como adjetivar Lula, e com que valores diferenciar Alckmin, de forma que a água que escape de Lula seja absorvida — natural e residualmente — pela esponja de Alckmin". |
Entrevista:O Estado inteligente
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