quinta-feira, abril 27, 2006

Eliane Cantanhede - O troco




Folha de S. Paulo
27/4/2006

A CPI dos Correios acabou, a dos Bingos está se desmilingüindo, a do Lula morreu antes de nascer. O ano legislativo, portanto, está praticamente terminando. Daqui em diante, deputados e senadores só pensam naquilo: a campanha.
E foi nessa undécima hora, apesar de a dois meses do início formal do recesso, que o Congresso armou o troco ao Supremo Tribunal Federal, acusado de ter sucessivamente tentado arrefecer os ânimos das CPIs, ora impedindo ou limitando depoimentos, ora vetando a quebra de sigilos.
Exemplos: o caseiro Francenildo Costa foi impedido de falar por uma liminar, vários dos envolvidos puderam se recusar a responder às perguntas, José Dirceu protelou seu processo no Conselho de Ética com vários mandados, Paulo Okamoto (o "doador universal") nunca teve o sigilo bancário quebrado.
O troco, aliás, não é exatamente do Congresso, mas, sim, da oposição: um projeto de lei determinando que medidas liminares contra as Mesas Diretoras ou comissões do Congresso, da Câmara ou do Senado não podem ser mais concedidas por um só ministro da Corte, o relator. Terão de passar pelo plenário do tribunal e ter maioria de votos.
De autoria do senador José Jorge, um dos dois candidatos pefelistas a vice do tucano Alckmin, o projeto tenta dissimular sua essência (de ser um troco), ampliando a exigência igualmente para liminares contra atos do próprio Supremo e do presidente da República.
Também abriu uma brecha para votos exclusivos do relator, sem ouvir o plenário, durante os recessos e em caso de "extrema urgência ou risco de lesão grave". Assim, o texto passou pela CCJ do Senado por 13 a 8, pronto para ir à Câmara.
O Congresso tem criticado duramente a interferência do Judiciário. A partir de agora, é o Supremo que tem direito de gritar contra a interferência. Apesar das declarações diplomáticas de ontem, cristais estão trincados entre os dois Poderes.