quinta-feira, abril 27, 2006

Clóvis Rossi - O Brasil cabe na sua dívida?





Folha de S. Paulo
27/4/2006

A princípio, a manchete de ontem do caderno Cotidiano desta Folha seria auto-explicativa: "País tem repetência maior que a do Camboja". Nem o genocídio de Pol Pot conseguiu transformar o Camboja em país pior que o Brasil. E atenção: nesse capítulo, o governo Lula não tem culpa, porque o levantamento da Unesco usa dados de 2002, portanto o último do tucanato.
Constatado o desastre, passemos ao ponto seguinte: a Unesco diz, no mesmo estudo, que o Brasil precisará contratar pouco mais de 396 mil professores até 2015, um aumento de 50% em relação ao quadro atual.
Pergunta inevitável: de onde virá o dinheiro para tais contratações (sem mencionar o fato de que é preciso também aumentar o salário dos professores, atuais e futuros)?
Voltemos então à página A2 da mesmíssima Folha de ontem: nela, o deputado Delfim Netto vocaliza o temor dos mercados de que o governo não consiga cumprir a meta de poupar o equivalente a 4,25% do PIB para pagar os juros da dívida.
Bom, se com uma economia já colossal, quase obscena em um país com tantos problemas (lembre-se, educação é apenas um deles), o mercado ainda está insatisfeito, o que acontecerá se e quando o governo resolver gastar mais para contratar professores (de novo sem falar no necessário aumento)?
O governo será fuzilado, qualquer que seja o presidente. Sempre é bom lembrar que só os mercados têm hoje condições de desestabilizar governos -pelo menos no Brasil, em que as ruas, outro fator potencial de ruídos, estão caladas, quase mortas.
Ligando os pontos, tem-se o seguinte: ou se continua a fazer o Brasil caber no tamanho de sua dívida, cortando-lhe asas, pernas e o oxigênio representado pela educação, ou se adapta a divida ao tamanho que se quer para o país.
Simples de expor, difícil de fazer. Tão difícil que nem remotamente aparece no pobre debate eleitoral.