quarta-feira, março 01, 2006

Bala de festim ou bala perdida? Josef Barat

O ESTADO DE S.PAULO


Sábado, 25 de Fevereiro de 2006.


Desde os anos 80 o governo federal manifesta, repetidamente, o interesse em montar um empreendimento ferroviário para a movimentação, em alta velocidade, de passageiros no macroeixo Campinas-São Paulo-Rio. Em princípio, pode-se justificar a iniciativa tanto pelo próximo esgotamento da capacidade da Via Dutra em alguns trechos quanto pela atratividade em operar, entre as três cidades, trens que possam atender ao crescimento da demanda, desviar o tráfego rodoviário e prover melhor acessibilidade. Mas o fracasso recorrente de todas as tentativas feitas para implementar um projeto com tecnologia de ponta (e exclusivamente para o transporte de passageiros) decorreu dos custos proibitivos e da impossibilidade de amortizar o investimento mediante concessão.

Parece mais sensato, assim, adotar uma concepção tecnológica mais realista, ou seja, de menor complexidade, passível de uma implementação gradual, permitindo velocidades de até 150 quilômetros por hora e operando simultaneamente trens de carga e passageiros. O foco principal de um empreendimento ferroviário desta importância deve ser o transporte de carga, por transcender o âmbito geoeconômico do macroeixo e por ter fortes ligações com outros projetos que transformarão radicalmente as logísticas no Sudeste. A perspectiva é de integração com ferrovias que movimentam grandes volumes de granéis agrícolas, inclusive com a alternativa de escoamento pelo Porto de Sepetiba (RJ), e de articulação e passagem das cargas industriais. Portanto a nova configuração para o transporte ferroviário no macroeixo deve obedecer a alguns princípios básicos.

Primeiramente, o País não comporta a implementação de um projeto ferroviário de ponta, sofisticado e caro, para transporte unicamente de passageiros. As tecnologias que permitem atingir velocidades de até 400 km/h demandam investimento demasiadamente vultoso para uso exclusivo de passageiros. Os estudos e projetos relacionados com o chamado "trem-bala", realizados por sucessivos governos para efeito de concessão, não saíram do papel e as sucessivas propostas acabaram por inviabilizar soluções alternativas mais compatíveis com a realidade nacional.

O ideal seria, portanto, iniciar prudentemente um projeto para o uso simultâneo de trens de passageiros e de carga, dentro de condições técnicas que propiciassem incrementos tecnológicos graduais. Além disso, a própria implementação poderá ser gradual, viabilizando-a por trechos entre Campinas e São José dos Campos, Barra Mansa e Rio, este último o de maior dificuldade, em razão da descida da Serra do Mar.

Em segundo lugar, considerar trens com velocidade de até 150 km/h - padrão aceito nos Estados Unidos em ligações importantes, como as do Amtrack - atenderia não só à demanda de passageiros, como permitiria o transporte de cargas, aliviando as rodovias e dando competitividade à ferrovia. A experiência norte-americana não pode ser menosprezada, uma vez que só recentemente os americanos passaram a estudar as possibilidades de utilizar trens com tecnologias de velocidade de até 400 km/h. Ora, percorrer a distância entre São Paulo e Rio em 4 horas já daria grande vantagem competitiva em relação aos ônibus e até aos aviões. Por outro lado, aliviar a Dutra de caminhões adiaria a necessidade de construção de novas pistas. Já o percurso entre São Paulo e Campinas em 45 minutos tornaria viável o uso alternativo do Aeroporto de Viracopos para passageiros oriundos de São Paulo, eliminando por algum tempo necessidades de investimentos em Guarulhos.

Finalmente, caberá uma visão realista da questão do acesso à Serra do Mar (saída do Rio até Barra Mansa), com vista à sua capacidade de transporte e outras definições técnicas (tipo de trem, velocidade máxima, etc.). Certamente serão necessárias retificações de traçado entre Barra Mansa e São Paulo, talvez sem necessidade de grandes modificações no perfil da linha. As estações e terminais, como parte do empreendimento, deverão merecer atenção especial. Portanto, se a idéia não é a de fazer desse novo interesse no trem de alta velocidade mais uma bala de festim, é importante que se estude seriamente e em profundidade a verdadeira inserção econômica de uma moderna ferrovia para cargas e passageiros. O que não é uma tarefa fácil, nem atraente. Senão o projeto do trem de alta velocidade poderá ser apenas uma bala perdida.

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*Josef Barat, consultor, é membro do Conselho de Economia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo