quarta-feira, março 01, 2006

ZUENIR VENTURA Começou o ano. Começou?

O GLOBO

Já ia escrevendo que com o fim do horário de verão e o término do carnaval o ano finalmente iria começar hoje. Mas aí me lembrei de que logo mais haverá a festa da escola de samba vencedora, que deve varar a noite, e no sábado acontecerá o desfile das campeãs. Decididamente, não se faz mais quarta-feira de cinzas como antigamente. Isso no Rio, uma cidade comedida. Imaginem em Salvador, Recife, Olinda, onde a festa começa antes e só pára depois, se é que pára. Parar por quê?

Este ano parece que Brasília também vai entrar no clima — não propriamente a cidade, mas um certo palácio da capital, onde surgiram inesperados motivos para comemorações. 2006 pode ainda não ter começado, mas promete muitas surpresas, principalmente em política. Quem seria capaz de prever alguns meses atrás, no auge da crise que desmoralizou o PT e o governo, o alegre e generoso pré-carnaval que estava reservado para Lula?

Quando a pesquisa eleitoral CNT/Sensus anunciou que ele venceria folgadamente os dois possíveis candidatos tucanos se as eleições fossem hoje, tendência que iria se confirmar pelo instituto Datafolha na semana passada, os números favoráveis ao presidente pareciam tão incríveis que alguns os aceitaram com espanto, mas aceitaram, enquanto outros, movidos pelo espírito udenista ressuscitado, quem sabe, pela minissérie JK, desqualificaram o levantamento.

Em lugar de consultar especialistas e estudar as causas, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, preferiu duvidar e pediu uma auditoria ao Tribunal Superior Eleitoral. O prefeito Cesar Maia suspeitou mais ainda e falou em fraude. Mais do que dúvidas, os dois pareciam ter certeza. Lá bem no fundo se escondia o desejo de apelar para o tapetão, a fantasia golpista. Ainda bem que pelo menos o senador (o prefeito preferiu passar o carnaval em Lisboa) resolveu não insistir no erro e, diante de tantas evidências, acabou reconhecendo a nova pesquisa.

Embora se saiba o quanto esses números são efêmeros — como diz o lugar comum, pesquisa é apenas retrato de um momento — o episódio contém pelo menos uma lição para a oposição, a de que não se deve tripudiar sobre quem está por baixo. A política, diz a velha metáfora, é inconstante como nuvem. Embriagados com o fracasso do adversário, tucanos e pefelistas bateram em Lula como se ele fosse cachorro morto. Não era, ele está muito vivo, não apenas nos grotões e entre os pouco instruídos, como se alegou logo que começou a recuperar prestígio. Houve crescimento também para cima. A lição, porém, vale igualmente para o governo. Ainda que diga o contrário, Lula já está usando um salto mais alto. E o ano mal começou.