Não tem sido hábito deste jornal congratular o presidente da República pelo acerto de seus enunciados em eventos públicos. Bem ao contrário, os discursos de Lula se caracterizam muitas vezes pelo despropósito e pela tênue relação que mantêm com a realidade.
Que nos seja entretanto permitido, neste domingo de Carnaval, abandonar por um momento os rebarbativos deveres da crítica para assinalar, num espírito mais ameno, uma frase enfim verdadeira do presidente Lula. "Um homem público faz campanha da hora em que acorda à hora em que dorme, 365 dias por ano", declarou na semana passada em um comício em Parnaíba, no Piauí. Pelo menos no seu caso, o enunciado é correto. Desde o início do governo, Lula se entrega a uma seqüência infindável de discursos, ao pretexto da menor solenidade, ou até mesmo sem pretexto nenhum.
São muitos dias de campanha para poucas realizações administrativas, em especial na área de infra-estrutura: tanto que, na semana passada, Lula chegou a Recife para inaugurar uma obra aeroportuária concluída em junho de 2004, e que já visitara em setembro daquele mesmo ano.
Mas o recurso a inaugurações e promessas de palanque não é exclusividade do estilo, sempre hesitante entre o populismo e a acomodação, de que se vale o presidente. Seus principais adversários na corrida presidencial, supostamente mais "modernos", "racionais" e "técnicos", envolveram-se ultimamente em atos bizarros de ativismo eleitoreiro, no afã de conquistar os votos de quem, no jargão peessedebista, pertence aos "setores mal-informados da população".
É assim que, enquanto Lula não renega as buchadas de bode que constituem a "pièce de résistance" da culinária sertaneja, o tucano Geraldo Alckmin, figura pouco afeita a extravagâncias alimentares, e nem sempre vista em restaurantes de luxo, consentiu em dedicar parte de seu tempo a uma insólita aparição na TV: provava um picolé de chuchu, criação sutilíssima de um "chef de cuisine" em sua homenagem.
Menos sintonizado com as tendências da modernidade, mas igualmente sintomático, talvez, de algum esgotamento nos padrões convencionais da marquetagem eletrônica, foi o caso da claque caroneada num ônibus da administração municipal para inflar de entusiasmo uma murcha "pré-inauguração" serrista.
O grande prêmio, entretanto, pode ser dividido entre Serra e Alckmin em condições de igualdade. A imagem de ambos comparece, na forma de dois bonecos gigantes, num carro alegórico da Escola de Samba Leandro de Itaquera, que celebra neste Carnaval as obras de rebaixamento da calha do rio Tietê.
Quem se rebaixa, sem dúvida, é o debate político; para nada dizer da própria agremiação carnavalesca, para a qual só se pode desejar que com sua homenagem bicéfala não perca pontos no quesito da harmonia. O prefeito, cabe lembrar, solicitou que o boneco fosse retirado do desfile, no que não foi atendido pelos carnavalescos. Coisas assim dependem de planejamento, e autoridades de uma escola de samba não mudam de idéia como quem troca de camisa.
Em todo caso, o posto de afilhado favorito de Momo já está ocupado por outro presidenciável, o peemedebista Anthony Garotinho: em Campos dos Goytacazes, sua cidade natal, nada menos do que seis escolas de samba o enaltecem.
A campanha política, de fato, toma 365 dias por ano. É de esperar que não seja sempre um Carnaval.