quarta-feira, janeiro 25, 2006

Merval Pereira - País do samba e do futebol




O Globo
25/1/2006

DAVOS. O presidente Lula tem razões distintas, mas respeitáveis, para não comparecer aos dois fóruns mundiais entre os quais se equilibra desde que chegou à Presidência da República. Se o 6 Fórum Mundial Social, que ajudou a criar em seus tempos de petista militante para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial, vai servir de palco para o histrionismo antiamericano de Hugo Chávez com um improvável ato político-cultural "contra a guerra e o império" em Caracas, o Fórum Econômico Mundial este ano está dedicado aos chamados temas intangíveis, mais apropriados a executivos de grandes empresas, e que parecem quase esotéricos a presidentes de países do terceiro mundo como Lula. Além do mais, o Brasil está fora do interesse do Fórum este ano, ao contrário de China e Índia.

O tema de Davos — "O imperativo criativo" — parte do princípio de que o ambiente mundial está mudando devido a fatores como o impacto continuado da informatização na sociedade, e a falta de empregos decorrente, mudanças que aumentaram a ansiedade e a insegurança numa época dominada por fragilidades institucionais e lideranças ineficientes. A resposta certa para os problemas que afetam o mundo dos negócios, e também os governos e as organizações da sociedade civil, seria uma ênfase maior à imaginação humana, à inovação e à criatividade.

Uma prova dessa "liderança ineficiente" está na diferença das respostas obtidas às mesmas questões em duas pesquisas, uma que traz "a voz dos líderes", com os inscritos para a reunião de Davos, e outra que traz "a voz do povo", realizada pela Gallup com cerca de 50 mil pessoas, que representam estatisticamente cerca de 2 bilhões de cidadãos globais, em mais de 60 países.

A pesquisa feita com os líderes participantes da Reunião Anual na Suíça mostra a maioria dos líderes crente que a próxima geração viverá num mundo de maior prosperidade econômica, mas "um pouco menos seguro" ou "muito menos seguro". Já os chamados "cidadãos globais" são muito mais otimistas em relação à segurança da próxima geração. Em compensação, foram menos otimistas sobre a prosperidade econômica.

Lula alega oficialmente que só compareceu ao Fórum Social quando ele se realizou no Brasil — assim como não foi ao Fórum na Índia, também não vai este ano a Caracas. Mas comparecer este ano seria não apenas se expor a vaias dos ativistas radicais, como ser colocado em segundo plano não apenas por Chávez, mas também pelo presidente recém-eleito da Bolívia, Evo Morales, que tem tudo para ser a estrela do momento nos encontros do Terceiro Mundo.

O ato contra o imperialismo norte-americano será a base dos debates que ocorrerão até domingo e, mesmo sem Lula, o Brasil é o país com maior representação em cerca de 500 diferentes eventos, entre debates, encontros e palestras. O PT estará representado por uma delegação chefiada pelo presidente do partido, Ricardo Berzoini, e o ex-deputado José Dirceu promete comparecer, provavelmente na qualidade de amigo do anfitrião.

Já em Davos, além da criatividade empresarial que será enfatizada com destaque para a participação dos Jovens Líderes Globais, na tentativa de encontrar novas abordagens e maneiras de pensar, questões mais concretas serão debatidas, como a desenvoltura com que Índia e China estão aumentando suas participações no crescimento mundial. A tal ponto que já é possível discutir se não vão dominar o sistema econômico mundial.

Sintomaticamente, dos Brics, sigla formada por Brasil, Rússia, Índia e China, países que presumivelmente estarão na liderança econômica do mundo nos próximos 30 anos, somente o Brasil não merece a atenção do Fórum de Davos este ano, a demonstrar o quanto estamos ficando para trás nessa corrida. A Rússia, embora sem o protagonismo de China e Índia, tem painéis sobre sua atualidade e a aproximação com o Ocidente.

Já Índia e China são um dos oito subtemas do Fórum Econômico Mundial, onde se analisará a mudança do centro de gravidade da economia mundial e os riscos e oportunidades que essa mudança oferece para a comunidade global. O paradoxo representado por esses dois países, que têm tido muito sucesso na criação de empregos locais, mas têm contribuído com o desemprego no resto do mundo, é um dos pontos mais interessantes da discussão.

A necessidade crescente de novos empregos no mundo e os problemas de identidade que a Europa enfrenta com a imigração fazem parte da mesma discussão, onde a China e a Índia despontam com capacidade de oferecer trabalho barato e de atrair novos investimentos e tecnologias.

A presença do Brasil este ano está reduzida ao debate sobre seu futuro e o futuro da América Latina, no tradicional Jantar Ibero-americano, que terá como mediador Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. A onda de populismo que retorna à região, juntamente com a necessidade de enfrentar reformas na economia que permitam um crescimento mais acelerado, são os temas do debate, que contará com a presença do diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Ratto, e de três ministros brasileiros — Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Gilberto Gil, da Cultura, e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central.

No ano da Copa do Mundo, pela primeira vez os esportes terão papel de destaque no Fórum Econômico Mundial. No painel "Esportes e Desenvolvimento: como uma bola pode mudar o mundo", a grande atração é Pelé, que, ao lado de Joseph Blatter, presidente da Fifa, de Philip Knight, presidente da Nike, e Jacques Rogge, presidente do Comitê Olímpico Internacional, debaterá o papel dos esportes no desenvolvimento dos países, desde os aspectos sociais quanto os de investimentos. E o ministro Gilberto Gil dará um "pocket show" para convidados, numa promoção da associação de exportadores brasileiros.