sábado, janeiro 28, 2006

Concorrência global, enfoque local GESNER OLIVEIRA

FSP


A concorrência constitui ingrediente fundamental do crescimento. Sem concorrência não há inovação, e sem inovação não há crescimento sustentado. No entanto, a questão não consta da pauta do Fórum Econômico Mundial de Davos nem da agenda do Fórum Social Mundial em Caracas. Mas pelo menos o Brasil começa a acordar para a importância do assunto conforme demonstra o interesse gerado pela sessão especial do Fórum Nacional coordenado na quinta-feira pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso.
A área de defesa da concorrência constitui uma das ilhas de competência no governo federal em um oceano de inépcia administrativa e gerencial. O tempo de julgamento dos processos diminuiu apesar dos parcos recursos e das rigidezes da legislação, conforme revelam as estatísticas do Cade.
No entanto, o conselho ficou parado um mês por falta de quórum porque o governo não fez as nomeações em tempo hábil. Conforme destacou uma revista inglesa, "Global Competition Review", no último dia 18 foi a primeira vez em três anos que o Cade funcionou com o quórum completo!
Ninguém resiste à exuberância do Rio de Janeiro. Mesmo depois de assaltado por quadrilha no Aterro do Flamengo, um grupo de turistas ingleses disse que recomendaria a visita aos amigos. Talvez tenham sido sinceros, e não somente educados. Mas será que os analistas de investimento de longo prazo estão dispostos a esquecer nossas mazelas? Há outras economias mais atraentes do que a brasileira conforme sugere o sucesso de China e Índia na badalação de Davos.
O Fórum Nacional discutiu uma moderna política de competição. Há mais de duas décadas os organismos multilaterais oferecem uma receita pronta de como implementar a defesa da concorrência. No entanto, há várias peculiaridades de uma economia em desenvolvimento que não são levadas em conta. Quatro pontos merecem particular atenção.
Em primeiro lugar, o tamanho do setor informal que no Brasil, segundo dados do Banco Mundial, é de aproximadamente 40% do PIB. Tal distorção requer especial atenção por parte de órgãos como o Cade. No Brasil, há vários exemplos de mercados duais. Uma parcela da indústria está na formalidade e sujeita a encargos absurdos; outra opera na ilegalidade e está condenada a nunca crescer. Surgem casos de concorrência desleal que nada têm a ver com os manuais dos países ricos.
Em segundo lugar, as barreiras à entrada são maiores nas economias em desenvolvimento. De um lado, porque a infra-estrutura é precária. O Brasil tem uma área 15 vezes superior à da França e 23 vezes superior à da Alemanha, mas tem uma malha ferroviária equivalente à francesa (pouco mais de 29 mil km) e inferior à alemã (46 mil km). De outro lado, há elevados custos de transação. Enquanto na China um produto leva 20 dias para ser exportado depois de passar pelas burocracias alfandegárias, na Rússia leva 29, na Índia 36 e no Brasil são 39. E na Dinamarca, apenas 5 dias! Essa situação praticamente condena as pequenas e médias empresas ao desaparecimento ou à informalidade. Isso, por sua vez, diminui o grau de concorrência dos mercados.
Em terceiro lugar, diferentemente de economias mais maduras, fusões e aquisições em países em desenvolvimento podem gerar ganhos de eficiência que não poderiam ser alcançados de outra maneira. A distorção do passado é tanta que as oportunidades de ganho são muito maiores do que aquelas que poderiam ser sonhadas nos países desenvolvidos.
Em quarto lugar, economias de porte médio ou pequeno apresentam concentração mais elevada para a maioria dos mercados relevantes, enquanto em economias maiores o mercado geralmente é mais pulverizado. Além disso, os países em desenvolvimento passaram a ser afetados por fusões e cartéis internacionais que exigem cooperação nem sempre possível com outras jurisdições.
Ninguém ousaria dizer que a concorrência não é saudável. Como ensinou George Stigler da Universidade de Chicago e Prêmio Nobel de Economia em 1982, todo mundo acha que a concorrência é boa para os outros. Não surpreende que os partidos políticos na América Latina tenham dado relativamente pouca atenção à defesa de concorrência em um contexto de problemas sociais agudos. Uma voz de exceção é o programa de governo da recém-eleita presidente do Chile, Michelle Bachelet.
O Brasil acordou na questão da concorrência. Agora é preciso dotá-la de recursos adequados e implementá-la de acordo com as especificidades do país. Na defesa da concorrência, como de resto em várias áreas da política pública, é preciso copiar um clichê do mundo corporativo multinacional: manter a visão global sem perder o enfoque local