quinta-feira, janeiro 26, 2006

AUGUSTO NUNES Mais juízo, doutor

jb



O que faz o país que não mostra a Márcio Thomaz Bastos que os códigos legais e éticos valem também para o ministro da Justiça?, perguntaria Nelson Rodrigues. Primeiro, o criminalista promovido a conselheiro do rei rasgou o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. Agora, tem espancado o Código Penal. Os colegas bacharéis permaneceram em silêncio. O Ministério Público ainda não se dispôs a agir.

Bastos atropelou o código da OAB no começo do ano passado, quando usou o poder do seu gabinete para vingar-se dos policiais federais que capturaram o publicitário Duda Mendonça numa rinha de briga de galos no Rio. Duda ficou preso uma noite. Os policiais foram todos transferidos para paragens distantes.

Bastos garantiu que não tivera nada a ver com isso. Mas ele também garantiu, em 2003, que construiria nos três anos seguintes quatro presídios de segurança máxima. Não construiu nenhum.

Em junho do ano passado, o criminalista baixou outra vez no ministro, acionado para montar a linha de defesa das criaturas do Pântano do Planalto. Foi ele quem forjou a fantasia: a quadrilha formada por pelintras federais, figurões do PT e comparsas dos partidos de aluguel nada fizera de tão feio.

A versão esculpida por Bastos é tão verdadeira quanto uma cédula de R$ 13. Apesar das incontáveis provas em contrário, a versão marciana refuta a evidência de que uma quadrilha articulou a maior roubalheira da história. Nunca houve uma quadrilha do mensalão. Aliás, nem o mensalão existiu.

O engodo, enunciado pela primeira vez na patética entrevista de Lula na França, seria recitado pelos vigaristas Marcos Valério e Delúbio Soares, além de outros gatunos. Nenhum deles fora além do velho e bom caixa dois. Talvez anestesiados pela espantosa sucessão de escândalos, nem os advogados chiaram. E Bastos pareceu acreditar que seu cartão de visitas equivale a uma carteirinha de impune.

Até recentemente, Márcio era um problema da OAB. Ingressou na esfera do Ministério Público ao atropelar o artigo 319 do Código Penal, que trata do crime de prevaricação: ''Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei''.

Bastos vem prevaricando animadamente desde que se incumbiu de livrar Duda Mendonça de outra enrascada. No choroso depoimento à CPI dos Correios, o marqueteiro do reino afirmou que abrira uma conta no exterior por imposição de Marcos Valério.

Sem a conta no BankBoston de Miami (Dusseldorf é o nome dela), não haveria pagamento pelos serviços prestados ao PT. Duda imaginava que a performance no Congresso o levaria para longe da tempestade. Acabou no olho do furacão.

Ao constatar que a Dusseldorf era uma estrada de mão dupla no lamaçal dolarizado, a CPI solicitou a autoridades americanas o envio da documentação vinculada à malandragem bancária. Chegou primeiro a dupla formada pelo ministro da Justiça e por Wanine Lima, coordenadora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.

A papelada repousa há semanas nos domínios do ministro, sob a vigilância da Receita Federal. O ministro se recusa a entregar os documentos à CPI, ''pode haver vazamento de informações, o que irrita os americanos'', alega. Curiosamente, recomendou à CPI que busque os papéis em Miami. Os enviados podem perder a viagem.

Wanine nada quer recuperar. Bastos não quer justiça. Quer prestígio. Pode virar ministro do Supremo.

[26/JAN/2006]