sábado, novembro 26, 2005

EDITORIAIS de O ESTADO DE S.PAULO

Testemunhas cabais

A não ser que se lhes possam atribuir uma capacidade invulgar de inventar situações verossímeis, como se fossem mestres da carpintaria dramatúrgica policial - e a ela se dedicassem, por motivos não sabidos, de forma inteiramente gratuita -, as testemunhas ouvidas mais recentemente nos casos dos assassinatos dos dois prefeitos petistas, o Toninho, de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André, enterram bem enterrado as versões de que se tratava de crimes comuns. Os indícios mais do que evidentes são de que os prefeitos não estavam "no lugar errado, na hora errada", à mercê de "acidentes de percurso" - como afirma o presidente Lula -, mas sim num lugar certo, propício ao acerto de contas ou à queima de arquivo, próprios dos crimes encomendados.

Quanto ao assassinato, em 2001, do prefeito de Campinas Antonio da Costa Santos - o Toninho do PT -, a versão policial anterior era a de que a quadrilha do seqüestrador Wanderson Newton de Paulo Lima, o Andinho, depois da frustrada tentativa de seqüestro de um aposentado, fugia em um carro Vectra quando foi circunstancialmente atrapalhada por um carro Palio, que sem querer entrou em seu caminho - razão por que recebeu os tiros dos bandidos. E neste Palio estava o prefeito de Campinas, que assim foi morto "por acaso", quando saía do Shopping Iguatemi de Campinas. Só que duas testemunhas, que depuseram no processo - e o confirmaram em depoimento na Folha de S. Paulo de 24/11 -, afirmaram que o trânsito era intenso naquele momento de fechamento do shopping, e se o carro do prefeito atrapalhara a fuga dos bandidos todos os demais também o fizeram, pois havia apenas uma pista de escoamento para cada direção. E estas testemunhas, bem próximas do carro do prefeito, viram o carro dos bandidos vir na contramão, emparelhar-se com o da vítima e dele serem desferidos três tiros, um dos quais matou o prefeito.

Estes depoimentos confirmam outros três, constantes do processo, de pessoas que se referiam ao mesmo congestionamento no local, no horário do crime - às 22h15 do dia 10 de setembro de 2001: o motorista de uma van, uma passageira dessa van e o motorista de um Subaru. Trata-se, pois, de robustas provas testemunhais, corroboradas, aliás, pelo perito forense da Unicamp, Roberto Medina, que considerou "furada" a simulação do assassinato feita pela polícia civil em 2004, exatamente por não ter levado em conta o trânsito no momento.

Quanto ao assassinato de Celso Daniel, além de o relator da CPI dos Bingos, Garibaldi Alves (PMDB-RN), já ter revelado que há elementos suficientes para pedir o indiciamento dos três principais operadores do sistema de cobrança de propinas de empresas prestadoras de serviço ao município de Santo André, que depuseram na CPI nesta semana - a saber, o empresário Ronan Maria Pinto, das áreas de coleta de lixo, transportes públicos e obras; o ex-secretário de serviços municipais e ex-vereador pelo PT Klinger Luiz de Oliveira; o empresário de transporte coletivo e ex-segurança do prefeito, Sergio Gomes da Silva, o "Sombra" -, o depoimento prestado àquela CPI pela empresária Rosângela Gabrilli revelou-se um dos mais consistentes de todos os que se tem visto nas comissões parlamentares de investigação em curso.

Mais do que prova testemunhal, Rosângela apresentou à CPI prova documental de peso, como o são as cópias dos depósitos efetuados na conta de Sergio Gomes da Silva, no Banespa, em valores que ultrapassavam R$ 60 mil. Segundo a empresária, a propina que estavam obrigadas a pagar as empresas de ônibus que serviam o município de Santo André consistia em R$ 550 por ônibus (sua empresa, a Expresso Guarará, pagava R$ 40 mil por mês). Os extorsionários exigiam dinheiro vivo - mas por um período os empresários haviam feito depósitos na conta do Sombra.

A empresária ainda informou que o presidente Lula havia se inteirado do problema, graças a um encontro, obtido pela irmã tetraplégica de Rosângela, na casa do presidente em São Bernardo, no qual lhe narrara os fatos - pelo que o presidente lhe prometera providências... Uma coisa é certa: sobre as duas tragédias ocorridas em duas importantes cidades paulistas, tendo por vítimas correligionários e administradores petistas que desfrutavam de inegável prestígio, difícil, a partir de agora, será os líderes do PT falarem em "crime comum", sem com isto incorrerem em notório descrédito.

Isso vale para o presidente da República.