sábado, novembro 26, 2005

DORA KRAMER Imponderados Poderes

OESP

dkramer@estadao.com.br

DORA KRAMER

As crises do governo Lula são como as mães da anedota: só mudam de endereço Por mais razão que tenha o Congresso para perder a paciência com a ingerência do Supremo Tribunal Federal nos códigos do procedimento parlamentar, vamos e venhamos, não é pressionando o tribunal a votar desta ou daquela forma que se chegará a bom termo na solução do conflito, nesta altura já traduzido como uma crise estabelecida entre os Poderes Legislativo e Judiciário.

Muito menos encerra bom senso a proposta de greve legislativa até a "vitória final", aí entendida como a votação do pedido de cassação do deputado José Dirceu pelo plenário da Câmara.

Mais insensata ainda é a bravata oposicionista de não votar o Orçamento-Geral da União para 2006 enquanto o Supremo não parar de ceder aos artificialismos jurídicos alegados por Dirceu.

Ainda que o orçamento estivesse para ser votado depois de amanhã - e não está, há um mês de prazo pela frente -, não existe nexo causal entre uma coisa e outra. No máximo, se conseguiria puxar o Poder Executivo para dentro de um embate já suficientemente desprovido de racionalidade.

Não que o Executivo não mostre também uma vocação especial para atuar na lógica da crise permanente. É mestre nisso. Quando pretende livrar-se de um problema - ainda que momentaneamente -, o governo Luiz Inácio da Silva não busca uma solução, cria logo uma contenda paralela e arma uma nova confusão. As crises atualmente são como as mães da anedota: só mudam de endereço.

No presente momento, o choque senta praça daquele lado da Praça (dos Três Poderes) onde se localizam os edifícios do Congresso e do Supremo.

A data do duelo fatal entre os dois é a próxima quarta-feira. De um lado está marcada a votação do pedido de cassação de José Dirceu em plenário e, de outro, aguarda-se o voto final do ministro Sepúlveda Pertence para o desempate da sessão anterior, suspensa com cinco votos contra e cinco a favor de mais uma postergação solicitada pelo acusado.

É possível que a moderação de parte a parte venha a prevalecer até lá, mas a semana acabou com o tempo fechado. Do Congresso não saiu uma proposta razoável de entendimento e, do Supremo, o que se ouviu foram vozes de completo acordo com a atitude de submeter todos os passos do Conselho de Ética da Câmara ao crivo do STF.

No máximo, os magistrados aceitam, em tese, como legítimo o direito à crítica - tal seria se não o fizessem -, mas, na prática, não reconhecem as prerrogativas daqueles que são os verdadeiros juízes de um processo de quebra de decoro parlamentar.

A fim de fazê-los aceitar essa evidência, senadores e deputados pregam um movimento de pressão "legítima" sobre o tribunal, pretendendo, com o adjetivo, amenizar o teor do substantivo cujo significado é o da coação, do constrangimento moral. Não é a melhor maneira, convenhamos, de se encaminhar a resolução de conflitos, principalmente entre instituições.

O manual que o Conselho de Ética se propôs a preparar para mostrar ao Supremo os trâmites do processo parlamentar não deixa de ser uma maneira de pretender ensinar o Padre Nosso ao vigário, o mesmo tipo de atitude tomada pelo Judiciário em relação ao Legislativo quando se imiscui em suas atribuições.

As leis os magistrados conhecem; talvez esteja lhes faltando o senso de limite. Quem sabe não por má-fé, mas para não dar à opinião pública a idéia de que a Corte possa se associar a qualquer processo de execução política sumária.

A questão do limite entra aí, na não observância do amplo, amazônico, extraordinário campo e tempo de defesa de que dispôs o deputado José Dirceu no mais eficaz dos instrumentos de convencimento, os meios de comunicação. O deputado pode reclamar dos que não se convencem com seus argumentos, mas jamais pode se queixar de não ter sido visto e ouvido o bastante nesses três anos de ribalta privilegiada.

Compreende-se sua resistência em sair do foco da luz dos refletores, deixar para trás a era das câmeras e microfones à disposição 24 horas por dia, voltando à planície dos comuns. Isso é uma coisa, diz respeito do foro íntimo.

Outra bem diferente é, por causa disso, dois Poderes da República se engalfinharem numa crise de risco por pura incapacidade de agir com discernimento, moderação e, sobretudo, noção do que seja realmente importante em matéria de relações institucionais.

É o que dá a ausência no País de uma figura, ou de um grupo, de respeitabilidade forte, legitimidade reconhecida e capacidade inequívoca para fazer o meio de campo entre as partes em situações sensíveis, de maneira a evitar que conflitos se transformem em crises produtoras de um ambiente de sobressalto permanente.

Às tontas

Primeiro foi a CPI da Compra de Votos que terminou sem relatório, em clima de dissolução inconseqüente. Agora é a dos Correios que briga no segundo tempo.

Quer dizer, a oposição sabe como começar uma CPI, mas se atrapalha toda na hora de sair.