segunda-feira, novembro 28, 2005

EDITORIAIS DA FOLHA DE S PAULO

CRISE DE PODERES
 A próxima quarta-feira deverá ser um dia movimentado. Para ela estão marcados tanto a votação em plenário sobre a cassação do mandato de deputado federal de José Dirceu como a continuação do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da liminar que pede a suspensão do processo contra o ex-ministro. É altamente improvável, porém, que venha a haver um verdadeiro enfrentamento entre os Poderes.
Se o STF determinar que a ação de cassação seja suspensa, parlamentares poderão manifestar irritação, mas não terão alternativa que não obedecer. A questão é espinhosa e propícia a desavenças, mas é da essência da democracia que os Poderes interfiram uns nos outros, pondo em movimentação um sistema de freios e contrapesos concebido para moderar excessos e assegurar direitos. A tão propalada independência dos Poderes não deve ser confundida com autonomia plena.
E não há muita dúvida de que o direito à ampla defesa é um princípio constitucional que precisa ser defendido pelo Supremo. É verdade que o Legislativo tem a prerrogativa de estabelecer seus próprios ritos, sendo impróprio que o STF tente impor aos julgamentos da Casa a rigidez do Código de Processo Penal. Mas é fundamental que os ritos não contrariem garantias fundamentais asseguradas na Carta, como a ampla defesa e o contraditório. Por mais político que seja um julgamento de quebra de decoro parlamentar, não é razoável ouvir testemunhas de acusação depois das de defesa. É algo que não acontece nem nas piores farsas judiciais.
Quanto ao Supremo, alguns de seus integrantes deveriam tomar mais cuidado para não sugerir que considerações políticas prevalecem sobre as jurídicas. Com efeito, a idéia de que o STF possa estar decidindo a favor ou contra a cassação do mandato Dirceu é prejudicial à instituição. Embora seja difícil separar as duas esferas, ministros da mais alta corte do país devem atuar de modo o mais sereno e impessoal possível.
Quanto ao deputado José Dirceu, esta Folha já se manifestou a favor da cassação de seus direitos políticos -algo que suas manobras jurídicas visam a adiar, na esperança de uma improvável mudança de cenário.