segunda-feira, novembro 28, 2005

Alcides Amaral O circo de Brasília

OESP

"O país perdeu a inteligência e

a consciência moral, os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres

corrompidos. A prática

da vida tem por única direção

a conveniência."

Eça de Queiroz, 1871

Quando garoto, uma das minhas maiores diversões era assistir à matinê dos domingos do Circo Piolim, instalado ali próximo do Pacaembu. Sentava-me com amigos na arquibancada do então famoso circo e me divertia a valer com as palhaçadas do Piolim e seus ajudantes de palco. Sapatos mais parecendo pés de pato, calças de cintura folgada e o indispensável nariz vermelho. Eram dezenas de espectadores, vestidos da melhor maneira que podiam, assistindo aos impagáveis palhaços.

Os tempos mudaram, a televisão foi inventada, o Congresso Nacional passou a ter importância marcante na nossa vida, as CPIs foram criadas e os papéis se inverteram. As declarações da última semana do amigo do presidente Lula e presidente do Sebrae, sr. Paulo Okamotto, foram, para mim, a gota d'água e um basta a toda essa hipocrisia a que assistimos diariamente pela TV. Somos 170 milhões de "palhaços" - só nos falta o nariz vermelho - assistindo atentos por meses seguidos a debates envolvendo senhores engravatados e senhoras bem vestidas. Só que, ao invés de nos fazerem rir, nos fazem chorar. Chorar de vergonha, de desalento, pelo desprezo que muitos deles têm pela população brasileira. Mentem descaradamente desde que essa seja a melhor ou única saída, mas todos são tratados com o máximo respeito. Vossa Excelência para cá, Vossa Excelência para lá, e os resultados que a população aguarda, isto é, a punição exemplar dos responsáveis, vão ficando para depois. O próprio presidente Lula, num dos seus inúmeros discursos, afirmou, em setembro, que "não há por que ficarmos mais ou menos traumatizados. As mentiras e verdades que foram ditas vão aparecer e aqueles que tiverem culpa pagarão pelos erros cometidos".

O que se viu até agora não representa o desejo do presidente, se é que ele ainda pensa assim. Quando seu amigo Okamotto afirma que pagou a dívida de R$ 29,4 mil que Lula tinha com o PT, mesmo considerando que tal dívida tenha sido um equívoco de responsabilidade do ex-tesoureiro Delúbio Soares, dá, mais uma vez, vontade de chorar. Não bastasse, afirmou que a dívida foi paga em algumas parcelas, em dinheiro vivo, pois era assim que deveria fazê-lo. Ora, na era da internet, quando as transações eletrônicas estão deixando para trás até os cheques, o sr. Okamotto e seus amigos do PT ainda circulam com dinheiro vivo. Ouvindo tal declaração, o velho Piolim me volta à cabeça pela sua pureza de propósitos, isto é, divertir, e não ludibriar a criançada.

Mas o circo de Brasília tem muito mais a nos ensinar. Embora cada partido tenha interesses próprios a defender, as CPIs procuram realizar seu trabalho, tentando desvendar o "valerioduto" - de onde veio e para onde foi o dinheiro. Mas as barreiras são enormes. Muitos dos depoentes lá aparecem com habeas-corpus debaixo do braço, o que lhes permite mentir, e o fazem, sem o risco de sofrer punição alguma. Bandidos são tirados da cadeia para, amparados pela "delação premiada", declararem aquilo que não declararam quando foram presos. Se conseguirem criar fatos novos, suas penas serão reduzidas. É uma beleza essa lei de 2002 que premia o delator. A votação da cassação do deputado federal José Dirceu sofreu, na semana passada, seu terceiro adiamento e tudo depende do que acontecerá nesta semana. Ou será cassado, como indicava o deputado Fernando Gabeira ("Ele, Dirceu, tem uma história política, mas se perdeu no caminho"), ou novas surpresas surgirão (inclusive por parte do Supremo Tribunal Federal), pois agora o vice-presidente José Alencar passou a defendê-lo publicamente, o que não faz com relação ao ministro Palocci, por exemplo, que só recebe críticas pelas "altas taxas de juros". É, os juros devem ser crime maior do que aqueles que o deputado José Dirceu eventualmente cometeu.

O nariz do povo brasileiro fica vermelho outra vez quando, depois de acompanhar atentamente a CPI conhecida como do Mensalão, toma conhecimento pela imprensa de que seu prazo se esgotou antes que o relator, deputado Ibrahim Abi-Ackel, pudesse apresentar o relatório final. O vergonhoso e comprovado mensalão, que foi habilmente transformado em caixa 2, agora fica no limbo ou, conforme definição de um jornalista, "a pizza foi servida crua e fria". Por essa e por tantas outras, fica fácil entender a razão da morte da Velhinha de Taubaté. Nem ela, que sempre acreditou nos políticos e no Brasil, teve forças para enfrentar mais esse duríssimo desafio.

Mas os 170 milhões de "palhaços" estão perdendo a paciência. Pesquisa de opinião da CNT/Sensus divulgada na semana passada mostra que o presidente Lula tem, atualmente, a pior avaliação do governo, quando, segundo ele, tudo vai muito bem e o País, crescendo em ritmo sustentado. A avaliação positiva, que em setembro era de 35,8%, caiu agora para 31,1%. E a maioria dos pesquisados (42,8%) acredita que Lula "participou da corrupção".

Diante desse vergonhoso quadro para nós, brasileiros, há que concordar, mais uma vez, com o deputado Fernando Gabeira, quando afirma que "20 cassações não vão resolver o processo de limpeza do Congresso". É preciso muito mais gente fora do Congresso, depoentes que falsearam a verdade postos na cadeia, para que o Brasil volte a ser respeitado e os palhaços - os verdadeiros, que fazem rir, e não chorar - fiquem limitados aos picadeiros dos circos ainda existentes por este país afora.