sábado, outubro 15, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Acareação fechada

Acareação fechada

Muito se tem falado, com toda razão, da enorme atração pelos holofotes que os parlamentares federais têm demonstrado quando interrogam os depoentes nas CPIs. Seguidamente suas excelências exibem interesse muito maior pelas câmeras de televisão do que pelo depoente ou o assunto tratado. Há que se distinguir, no entanto, aqueles que fazem pura exibição para obtenção de destaque - com evidente intuito político-eleitoral - daqueles outros (em menor quantidade, é verdade) que se aprofundam no campo investigatório e transmitem forma criteriosa de descobrir a verdade dos fatos. São estes últimos que, também, sabem se municiar de documentos pertinentes, extraídos da montanha de papéis reunidos nas salas de suporte dessas comissões - o que em grande parte contribui para a maior eficiência de seus interrogatórios.

De qualquer forma, a simples existência de CPIs online, transmitidas em boa parte pela televisão e pelo rádio, permitindo assim um acompanhamento mais estreito da opinião pública, tem significado um efetivo avanço democrático em nosso sistema público-político e parlamentar. As dimensões da atual crise - que é ética e político-partidária, mas não resvalou para o campo institucional - guardam proporção com o elevado nível de transparência com que tem sido realizado o trabalho de investigação, a cargo das comissões do Legislativo. Eis por que destoou tanto dessa linha de atuação a reunião levada a efeito pelo Conselho de Ética da Câmara, para a acareação entre a deputada Raquel Teixeira (PSDB - GO) e o deputado Sandro Mabel (PL).

A deputada Raquel, como se recorda, fizera uma grave acusação ao deputado Mabel: a de que ele lhe teria oferecido R$ 1 milhão de "passe", e mais pagamentos mensais de R$ 30 mil, para que saísse do PSDB e ingressasse no PL. O governador de Goiás, Marcondes Pirillo, de quem a deputada fora secretária de governo, confirmou integralmente a acusação da deputada, enquanto o denunciado Mabel - que passou a integrar a lista de cassáveis - a desmentiu. Mas tanto a deputada quanto o governador e o denunciado se pronunciaram sobre o assunto de forma aberta e pública, sem qualquer reserva. Dessa forma, tornou-se incompreensível a decisão do Conselho de fazer a acareação, entre denunciante e denunciado, em sessão fechada, longe da televisão e da imprensa.

Muito pouco convincente nos pareceu a justificativa dada pelo presidente do Conselho, Ricardo Izar, assim como por alguns deputados - inclusive tucanos -, no sentido de que, tratando-se de um órgão por natureza discreto e tendo por objetivo buscar a verdade, o Conselho de Ética deve evitar os desnecessários "espetáculos", que atrapalham as investigações. Bem, o mínimo a dizer é que estas observações desqualificam, in limine, o trabalho das CPIs e seus respectivos integrantes, pois todas elas têm funcionado, desde o início, com total transparência - abertas à televisão e à imprensa. Justificando o fechamento da sessão - embora admitindo que uma sessão aberta seria mais favorável a sua correligionária, cujos argumentos lhe parecem mais convincentes -, o deputado tucano Carlos Sampaio invoca sua experiência de 18 anos como promotor para argumentar: "Precisamos de toda a concentração possível, pois numa acareação ninguém admite culpa. As contradições aparecem nos detalhes." Ainda que mal perguntemos: será que tais "detalhes" serão mais difíceis de escapar sem a presença da televisão e da imprensa? Não ocorrerá justamente o contrário? E, além disso, quem mais do que o público tem o direito de julgar os acareados?

O mais negativo nesse procedimento sigiloso, além das desconfianças que possam gerar na opinião pública - quanto à eventual troca de figurinhas entre pizzaiolos de governo e oposição - , é o precedente que abre, um precedente de intransparência. É bem provável que os governistas também reivindiquem o "direito" de realizar sessão fechada (na CPI dos Bingos) na acareação, marcada para o próximo dia 26, entre o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e os irmãos do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel.