sábado, outubro 15, 2005

ZUENIR VENTURA O Brasil de lá

o globo


Sem corrupção, sem baixaria, oferecendo o que sabe fazer bem, que é cultura, o Brasil tem encantado os franceses neste ano a ele dedicado, o do Brésil-Brésis. De cá não dá para ter idéia, e eu, como turista, presenciei apenas uma pequena parte da programação de doze meses. Segundo a contagem de André Midani, o representante brasileiro na organização, só de artigos e reportagens sobre os 450 eventos oficiais e 200 paralelos foram 2.500 páginas de jornais e revistas. E 19 horas de programas especiais na televisão.


Uma overdose tupiniquim. Música tocando nas lojas, vitrinas em verde e amarelo, shows, peças, mostras, concertos, noites de Bossa Nova, o Cristo Redentor projetado na Notre Dame. Num mesmo dia, era possível ver a abertura da exposição de fotos de Miguel Rio Branco à tarde e, à noite, a de Sebastião Salgado, ambas lotadas. No Louvre, saía-se da mostra de Frans Post e esbarrava-se com uma gigantesca instalação de Tunga, cercada por franceses deslumbrados.

Sobre ela,"Le Figaro" escreveu: "Pela primeira vez na história do Grand Louvre, um artista ocupa o grande hall de entrada, sob a Pirâmide de Peï". E caía de elogios. Num sábado, nós nos deslocamos até o distante Bois de Vincennes para assistir, no consagrado espaço teatral La Cartoucherie, ao espetáculo de dança de adolescentes paulistas dirigidos por Ivaldo Bertazzo. Duas sessões lotadas, na maioria de parisienses. No final, um delírio.

Os franceses sempre gostaram do Brasil, pelo menos desde 1555, quando tentaram fundar no Rio a França Antártica. "Eles só não sabiam por que gostavam", explica um jornalista brasileiro há oito anos em Paris. "Agora, com este ano, é que eles aprenderam." Uma colega casada com um francês, mãe de filha francesa e que por isso não é chegada a "patriotadas", confessou que, pela primeira vez nos seus 30 anos vivendo lá, sentiu um tremor cívico na noite de 13 para 14 de julho, ao assistir ao concerto de artistas brasileiros na Praça da Bastilha tomada por 80 mil pessoas.

Mesmo tendo chegado muito depois, eram tantas as coisas nossas que às vezes eu tinha a sensação de estar no Brasil _ num Brasil onde podia atravessar a rua sem olhar para os lados, andar a qualquer hora do dia ou da noite sem risco ou sobressalto e sem tropeçar em crianças abandonadas nas calçadas. Confesso que tive vontade de me mudar para esse país e convidar o prefeito e a governadora para passarem uma temporada lá comigo.

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Em compensação, aqui tem Marilia Pêra no João Caetano. Não sei se existe outra atriz capaz da proeza de viver Chanel em Paris e Carmem Miranda no Rio, como se fosse as duas.