FOLHA DE S PAULO
O natal dos banqueiros do mundo ocidental acontece com três meses de antecedência. É quando a comunidade financeira internacional se reúne para as assembléias conjuntas do FMI e do Banco Mundial. Acontecem em Washington neste momento.
Ali o Brasil comparece como sócio menor -uma espécie de sócio-atleta.
Neste ano, membros da equipe econômica voaram para Washington dispostos a firmar, no mercado, a convicção de que o Brasil já merece um "upgrade". Para quem não sabe, "upgrade" de risco de crédito virou sonho de consumo do comando econômico em Brasília. Trata-se da mudança da nota com que as agências classificadoras de risco pontuam a qualidade do crédito concedido ao Brasil, como devedor "soberano".
O Brasil entrou na era das avaliações externas. O país é medido a respeito de quase tudo. Pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), é o 63º país. Se o critério for o de "Ambiente de Negócios", o Banco Mundial o coloca no 119º; em "Distribuição de Renda", fica na rabeira: 125º lugar entre 129 países. O "rating" de crédito, que é medido pelas agências de risco, põe o Brasil na faixa do BB- (duplo B, menos).
Quer dizer, o Brasil é considerado um país cuja probabilidade de dar um calote na comunidade financeira só estará na faixa considerada segura, ou de "investimento prudente", quando alcançar a marca de BBB- (triplo B, menos) ou melhor. Com seu BB-, o Brasil ainda está três degraus abaixo da categoria prudente. Hoje, o país é visto como tendo um ambiente econômico-institucional do tipo "especulativo" ou relativamente arriscado.
Para ter uma idéia, a categoria prudente começa no triplo B e vai até o triplo A, em dez degraus do piso ao topo, em que estão países como EUA, Noruega, Suíça e Inglaterra. A China ou o Chile seriam economias avaliadas a meio caminho do topo.
Como o Brasil está abaixo do piso, paga um juro mais alto. Cada degrau, nessa faixa, vale uns 50 pontos ou 0,5% de juros anuais. Sobre US$ 200 bilhões de dívida, cada degrau galgado pelo Brasil valeria uma economia de US$ 1 bilhão por ano em juros!
Há dez anos, porém, o Brasil pagava ainda mais caro e nem sabia direito da importância de uma classificação de risco de crédito. Quando a SR Rating trouxe a classificação de risco para o Brasil, em 1993, a palavra "rating" era impronunciável. Agora, Brasília já sabe soletrar. E sonha com o "upgrade" da nota, enquanto as agências americanas fazem seu charme, passando por desentendidas. O mundo dos negócios é como um cachorro bravo. Se você estiver solto com ele no quintal do vizinho, sem o dono por perto, é bom não demonstrar medo. Seus fundilhos podem ficar na boca do cão. O Brasil entende pouco de cachorro bravo. Acaba sempre mordido por falta de tática na convivência com as agências de risco.
Dos argentinos, vizinhos muito mais espertos, poderíamos tomar lições de cachorro bravo. Não muito antes do seu calote de bilhões, os argentinos postulavam um "upgrade" das agências americanas. E andavam perto de receber uma reclassificação positiva. Até quebrar, a Argentina era considerada um risco do tipo BB, dois degraus acima da qualidade de crédito do Brasil.
Quem pensa que o Brasil receberá nota melhor por fazer lobby está perdendo tempo. É obvio que o risco brasileiro não é tão grande quanto parece. Mas isso só fica claro para quem vê nosso país de perto. De longe, vêem-se mais ambigüidades do que certezas. Ambigüidade é o que não falta por aqui. Como justificar, por exemplo, um "upgrade" para o país que é o campeão mundial do juro alto? Se juro alto significa risco alto -qualquer um entende isso-, o Banco Central do juro alto não pode pedir melhora de classificação de crédito. Outra ambigüidade: todos os principais indicadores de risco medem a capacidade de pagar dívidas, o que depende de crescimento robusto, ou seja, boa expansão da renda. Mas o Brasil vai a Washington, mais uma vez, receber o relatório do FMI de 2005 e lá se diz que crescemos menos que a média mundial e estamos na lanterna do crescimento dos emergentes.
O sonho brasileiro de inserção efetiva no clube econômico mundial não depende tanto de fazer lobby em Washington nem de aprovar "reformas" endossadas pelo FMI e agências de risco. Para ter "upgrade", o Brasil precisa mesmo é mostrar sua própria estratégia, algo que há muito se perdeu. Quebrar os paradigmas da estagnação e da subserviência financeira. Vencer suas vulnerabilidades crônicas. Sair do nefasto assistencialismo para o desafio do pleno emprego. Trabalho e criatividade, com visão de mundo e vontade de chegar lá.