quarta-feira, setembro 28, 2005

ELIO GASPARI Bicudo foi-se embora do PT

FOLHA DE S PAULO

Com 83 anos de idade, 62 de serviço público e 25 de militância, Hélio Bicudo foi-se embora do PT. O cangaço o derrotou. Logo a ele, um promotor miúdo e obstinado, espécie de Antonio das Mortes da moralidade administrativa. Nos anos 50, caçou malfeitorias do governador paulista Adhemar de Barros, o do "rouba, mas faz". Nos 60, foi chefe-de-gabinete do ministro da Fazenda (Carvalho Pinto) e não teve que depor em CPI. Nos 70, saiu atrás do Esquadrão da Morte e levou à cadeia o delegado Sérgio Fleury, paradigma da moralidade do porão da ditadura militar. Nos 80, filiado ao PT, foi candidato a vice-governador de São Paulo na chapa de Lula. Viajavam em carros emprestados e descansavam atrás de balcões de restaurantes. Elegeu-se duas vezes deputado e, em 1989 assinou, com "Nosso Guia", o primeiro pedido de impedimento de Fernando Collor. Até 2004, foi vice-prefeito de São Paulo. Esse é o lado bonito, o do brilho da estrela de um partido de gente boa, gente como Bicudo.
O outro lado é feio. É o PT das sombras do "mensalão". Em 1989, aliado à Convergência Socialista, José Dirceu derrubou Bicudo da presidência do Diretório Municipal de São Paulo. Em 1991, defenestraram-no da vice-presidência nacional do partido e no seu lugar puseram o estrategista Luiz Gushiken. Em 1997, Bicudo integrou a comissão de sindicância que apurou as denúncias feitas contra as empresas de Roberto Teixeira, compadre e senhorio de Lula. O benfeitor do companheiro era acusado de ter montado um aparelho de consultorias tributárias nas prefeituras petistas. Segundo a comissão, a empresa de Teixeira conduziu-se "de forma ilegal, imoral e criminosa". Para quem acha que a encrenca petista com fornecedores e recursos de campanha é coisa nova, eis um trecho do relatório da Comissão de 1997: "É importante observar que, segundo apurado nesta investigação, Paulo Okamotto, após 1992, não exerceu qualquer cargo, ou parece ter recebido qualquer delegação da direção do PT para atuar na obtenção de recursos financeiros, em especial para manter contatos com prefeitos na busca de listas de fornecedores para captação de recursos para o partido." (Okamotto é o amigo de Lula que, em 2003, quitou, com dinheiro vivo, a dívida de R$ 29 mil que o PT lhe atribuiu.)
Bicudo tem um livro de memórias pronto. Chama-se "Nossa História, Minhas Memórias". Tomara que saia logo, com alguns capítulos adicionais. Olhando-se a vida desse servidor público, fica uma dúvida: ele perdeu seu tempo, foi usado ou de tudo aconteceu um pouco? A maior vitória de Bicudo, contra o Esquadrão da Morte, deu-se antes de sua militância petista. Sua atuação parlamentar em defesa dos direitos humanos foi memorável, mas rendeu ralos resultados. Em boa medida, Bicudo foi mais uma das grandes tapeçarias que enfeitaram e aqueceram o castelo petista. Tornou-se anacrônico. Para a turma do Campo Majoritário, um verdadeiro estorvo.
Há cerca de um mês, Bicudo sentou-se com Apolônio de Carvalho durante um almoço na casa do cônsul francês em São Paulo. Eram quatro mesas, cada uma com o nome de uma cidade libertada dos alemães com alguma ajuda de Apolônio. Quando perguntaram ao velho "maquisard" o que achava da crise, ele respondeu com a benevolência e o charme que encantaram três mundos: "Não devemos confundir a parte com o todo". O tempo levou Apolônio. Bicudo preferiu ser um pedaço da parte de fora do que um enfeite do todo de dentro.