sexta-feira, agosto 26, 2005

Miriam Leitão :Fatos cruzados

O GLOBO

Duas notícias ontem, uma boa e uma ruim, mas o mercado entendeu que as duas eram boas. A boa é que, após um ano, os juros começarão a cair. É o que indica a ata do Copom. A outra notícia é que Rogério Buratti reafirmou tudo o que dissera na promotoria, disse que não foi coagido e acrescentou novos detalhes. O mercado entendeu que ele não trouxe prova e, portanto, está tudo bem. Aproveitou a onda de alta dos emergentes ontem e comemorou.
O mercado tem sido míope desde o começo desta crise, com raríssimas exceções. Quem duvida deve olhar para as primeiras análises que foram feitas. A maioria dos analistas, nem de longe, achava que a crise tomaria a proporção que tomou. O mercado tremeu poucas vezes. Uma delas, na sexta-feira. A entrevista do ministro Palocci afastou os temores.


Mas parte da entrevista se enfraqueceu ontem. Buratti garantiu que não disse nada sob coação; que a empresa na qual trabalhou pagava propina às prefeituras das cidades em que fazia coleta de lixo. E, sobre isso, não precisou nem invocar o falecido Ralf Barquete: "Eu trabalhava lá (na Leão & Leão), vi a materialidade da coisa."

É espantosa a forma com que conta o caso da GTech na Caixa. Disse que foi procurado pela GTech para levar a oferta da propina ao PT. E admite que foi ele o procurado porque tinha condições de fazer a informação chegar. Ou seja, admite ser parte do submundo da troca de favores e dinheiro por vantagens. A maneira como fala, o que diz, a naturalidade com que trata fatos gravíssimos, tudo o incrimina. E essa pessoa, cujos antecedentes o ministro da Fazenda conhecia bem, é que priva da intimidade do chefe de gabinete do ministro e com quem Palocci mantém contatos e conversas telefônicas, ainda que para falar sobre a doença de amigo comum.

O mercado entendeu diferente. Acha que não há provas, considerou que as revelações de Buratti não eram novas e, por isso, não se preocupou com o depoimento. Além do mais, havia outra notícia: os juros devem cair a partir de setembro. Isso produziu alta na Bolsa, em comemoração ao fim do longo ciclo de aperto monetário.

Essa foi a conclusão geral a que chegou o mercado após a leitura da ata do Copom. Os juros devem cair em todo último quadrimestre do ano, mas, talvez, a queda não chegue a tempo de aumentar o ritmo da economia para o Natal. O que assombra o Copom, assombra o mundo: o preço do petróleo tem batido em níveis jamais imaginados. Ontem fechou em US$ 67,5.

A novidade nesta ata foi que, apesar da disparada do petróleo, inclusive no passado recente, o Comitê manteve em zero a perspectiva de elevação dos preços dos combustíveis. Mas o Banco Central admite que está muito mais preocupado hoje do que estava há um mês; acha que cresceram a pressão dos preços e o risco de se estabilizarem num ponto mais alto, e isso aumenta a possibilidade de que haja reajuste dos combustíveis já em 2005. De fato, o preço do petróleo é um problema sério no mundo hoje. Passou a ser uma incerteza permanente, chegando a níveis muito mais altos do que os imaginados pelos piores cenários meses atrás.

Um dos motivos do que acontece com as cotações é o descolamento entre o mercado físico, no qual os barris são transacionados, e o mercado dos papéis, o futuro de petróleo. A última "The Economist" informa que o mercado futuro aumentou, só este ano, em US$ 22 bilhões o volume de negócios fechados. O preço passou a ser cada vez mais determinado pela especulação no mercado futuro de petróleo. Recentemente, até uma alteração no Equador, que fornece apenas 1% do que é vendido no mundo, passou a ser pretexto para elevação dos preços. Tudo o que aconteça em qualquer país ou região onde haja países produtores — de problemas políticos a fenômenos climáticos — impacta o mercado, puxando os preços do produto. Normalmente, a alta dos preços levava à queda da demanda, que derrubava os preços. Hoje esse equilíbrio natural tem sido subvertido pelo consumo crescente da China.

O Banco Central alertou que as projeções do mercado para o fim do ano ainda estão acima da meta de 5,1%, mas admitiu que o quadro melhorou muito após o mês de julho. A ata lembrou que o BC, no regime de metas, olha para a frente, para a trajetória futura da inflação. Registrou que a previsão da inflação em 12 meses de março, julho e setembro está abaixo da meta. Isso pode ser sinal de que os juros já podem cair em setembro. Mas o mais forte indício de que as taxas devem cair é que, em vez de falar aquela frase de sempre, que os juros serão mantidos "por um tempo suficientemente longo", a ata registrou que o Banco Central vai "acompanhar atentamente a evolução do cenário prospectivo para a inflação até a sua próxima reunião para então definir os próximos passos na estratégia de política monetária implementada desde setembro de 2004".

A economia e a política se cruzam novamente elevando a incerteza. De um lado, a economia chega no bom momento da queda dos juros, que vai incentivar o ritmo de atividade. De outro, a crise na política, com seu festival de CPIs e ruídos diários, aproximou-se do ministro que tem sido a mais importante garantia da estabilidade. Insubstituível ninguém é, mas ele é fundamental num governo anêmico como o do presidente Lula.