O GLOBO
Como a política econômica não foi pelos ares, e ninguém parece realmente interessado na cabeça do ministro da Fazenda — pelo menos por enquanto — pode ser que esteja encerrado o episódio da "delação premiada". No prognóstico mais tranqüilizador para o governo, a delação era vazia, e o prêmio para o denunciante será nenhum.
Mas cabe discutir procedimentos. Agiram certo os promotores? Era sua obrigação — privilégio ou prerrogativa, claro que não — interromper o depoimento de Rogério Buratti para ir correndo avisar à imprensa que ele acusara o ministro Palocci de ter sido intermediário de uma propina para o PT, quando prefeito de Ribeiro Preto?
Quem defende o açodamento argumenta com a necessidade de informar à sociedade um fato relevante. Não há segredo de Justiça no inquérito, disse, por exemplo, um dirigente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
Outros advogados argumentam que houve erro: mesmo sem impedimento legal, a apressada revelação do promotor — desacompanhada do cuidado de conferir a acusação — não prestou qualquer serviço à busca da verdade. Resumindo: o que está em questão não é o direito da sociedade à informação, e sim a confusão entre alegação não confirmada (e com motivação suspeita) e informação sobre algo que se confirmou como fato — ou, aceite-se, como provável fato.
A entrevista do ministro Palocci domingo passado afastou — pelo menos por enquanto — o perigo de uma crise econômica e financeira. Mas o episódio pode ser usado para uma serena discussão do de métodos e deveres do Ministério Público. Em geral e em tese. Sugerem-se temas para meditação:
1. É justo e sábio que a autoridade divulgue uma acusação que beneficia diretamente o acusador, antes de apurá-la em outras fontes e de outras maneiras? Principalmente se não há urgência?
2. Justifica-se o anúncio automático de uma denúncia grave com base apenas na palavra de pessoa acusada de outros crimes? Ou a acusação, devidamente levada a sério, teria de ser apenas o ponto de partida de uma investigação? Não se discute — na verdade, exige-se — que esta seja minuciosa e implacável, doa a quem doer.
3. Ao receber informação que se candidata à condição de "delação premiada", mostra sensatez e inteligência o promotor que a considera automaticamente verossímil? Ficou no ar, no episódio, um desagradável odor de "quanto mais sensacional, mais provável".
Não sei se aconteceram irregularidades graves na administração do ministro Antonio Palocci em Ribeirão Preto. Pelo menos por enquanto, parece provável que o açodamento infantil do Ministério Público, somado à serena entrevista de domingo, tenha garantido blindagem grossa para essa quadra de sua vida pública.
Sem profetizar nem torcer, podemos concluir que será irônico — mas "bem feito!", como diziam os antigos — se este acabar sendo um episódio em que o protagonista é um delatado premiado.