quinta-feira, julho 28, 2005

Miriam Leitão Dinheiro sujo

O GLOBO

O presidente do Banco Central e o senador Delcídio Amaral decidiram que uma equipe técnica vai analisar as investigações da CPI dos Correios com o objetivo de propor mudanças para melhorar os mecanismos de controle e prevenção das atividades ilícitas. Todos os bancos que emprestaram para as empresas de Marcos Valério receberam da fiscalização do Banco Central ordem de provisionar esses empréstimos, ou seja, reservar o dinheiro no balanço para cobrir a dívida caso ela não seja paga.
O país tem caminhado assim: um passo a cada crise. Um dos passos dados recentemente para corrigir falhas que permitam atividades ilícitas foi a unificação dos mercados de câmbio. Havia dois mercados, o livre e o flutuante, cada um com normas diferentes. E foi exatamente uma brecha dessa legislação — as CC-5 feitas na fronteira sem necessidade de registro — que foi utilizada no caso Banestado.


Em fevereiro, o BC unificou os dois mercados e hoje todas as remessas de dinheiro para o exterior são feitas com contrato de câmbio e registro no Sisbacen. O BC não tem como saber se o dinheiro que está sendo remetido tem origem duvidosa. Isso é o papel de outros órgãos no governo, mas hoje há, cada vez mais, troca de informação entre Polícia Federal, Receita, Banco Central, Coaf.

A CPMF é odiada por todos, mas ela deu à Receita Federal maior visibilidade sobre a diferença entre renda declarada e ativos financeiros movimentados. A Receita tem acesso a todas as transações que pagaram CPMF e pode, portanto, fazer seus cruzamentos com as declarações de renda.

Esta semana foi dado novo passo na criação de mecanismos de controle: o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional. Os bancos terão que alimentar com informação um cadastro sobre todas as contas de todos os clientes. Não é para informar saldo, nem movimentação, apenas para dizer quem tem conta onde. Isso facilitará o fornecimento de informação a uma CPI, por exemplo. Hoje, quando se quebra sigilo de uma pessoa ou uma empresa, o BC tem que mandar circular para 180 instituições financeiras perguntando se ela tem conta dessa pessoa ou empresa com sigilo quebrado. Quando o cadastro estiver funcionando, a informação será instantânea.

O que fica claro na atual crise é que há um crime antes do crime eleitoral: é o caixa dois em si. O crime antecedente mostra como são simplistas certas soluções propostas, como a proibição de financiamento de empresas. Equivaleria a tirar o sofá da sala. O que leva grandes empresas brasileiras, com capital aberto, a transferir dinheiro para as empresas de forma ilegal e não declarada? É a existência de muito dinheiro nas sombras.

Os empresários costumam dizer que tudo é culpa do excesso de tributação. E assim desculpam seus próprios crimes. Um Estado com gigantismo, como o nosso, insaciável, tirando cada vez mais recursos da sociedade, cria fortes incentivos à existência de dinheiro não declarado e à informalidade. Mas grandes empresas têm uma série de chances, dadas pela legislação tributária, de deduzir parte importante dos impostos que tenham a pagar. A carga tributária fustiga mesmo é o pequeno empresário, o negócio que está começando, mas não é dessas pequenas empresas que saem os valeriodutos da vida. Portanto, nem mesmo a pesada carga tributária justifica a dimensão a que o problema do dinheiro não declarado chegou no Brasil.

O Brasil tem sido complacente com o crime, a ilegalidade, o informal. Não faz sentido que existam 180 empresas na lista suja por trabalho escravo e que, dentre essas, estejam algumas tão grandes, fornecedoras de companhias exportadoras que, pelo porte, mobilizem em sua defesa o presidente da CNI e o presidente da Câmara dos Deputados, como acabou de acontecer com a Usina Gameleira. O Brasil legal se relaciona com o Brasil informal e ambos sustentam e garantem a existência do Brasil ilegal. São essas correntes que têm que ser quebradas.

O estranho não é a Usiminas contribuir com a campanha eleitoral de quem quer que seja; mas, sim, ter que fazer isso através da lavanderia montada por Marcos Valério. A Usiminas não tem uma boa explicação a dar para o estranho trânsito do dinheiro de financiamento. Segundo o assessor de imprensa, a empresa “não fechou ainda uma posição sobre como vamos nos posicionar sobre isso”.

Nos últimos anos, aos poucos, foram se fechando várias brechas pelas quais passa o dinheiro não declarado. As leis baixadas pelo governo Fernando Henrique em 98 e em 2001 permitiram o início do combate à lavagem de dinheiro, a criação do Coaf e a flexibilização do sigilo bancário. A carta circular 3098, de junho de 2003, baixada pelo Banco Central, obrigou a informação ao Coaf de qualquer movimentação em espécie e em valor igual ou superior a R$ 100 mil. O câmbio foi unificado este ano. Esta semana foi criado o Cadastro. A CPI dos Correios pode dar novas sugestões para novos controles. Seria bom se houvesse um remédio único, universal e definitivo para lavagem de dinheiro e corrupção, mas como não há, é preciso ir caminhando passo a passo. O Brasil tem caminhado, ainda que não pareça.

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