o globo
Desde o domingo retrasado não consigo tirar da cabeça as imagens do presidente, tão calmo e tranqüilo, dando entrevista para a jornalista amestrada nos jardins de Maria Antonieta. Nem as imagens posteriores do presidente colérico, bradando ora contra a índole nacional, ora contra as “elites”, conseguiram apagar da minha mente aquela aprazível cena de fausto real. Quem leu esta coluna na semana passada sabe que eu fiz um valente esforço para ver o lado positivo da crise; mas, infelizmente, a crise é mais rápida do que o meu poder de auto-ajuda. A vontade que eu tenho, de verdade, é de me sentar no chão ao lado dos gatos e chorar, chorar muito.
Sim, eu detesto o PT, e não, nunca esperei nada do Lula, mas isso não é consolo. No máximo, evita com que eu me sinta ainda mais traída do que estou me sentindo, ou que tenha a sensação de que os meus sonhos se evaporaram. Há tempos não tenho sonhos em relação a governos, só pesadelos.
Mas este é o meu país, a terra que eu amo. O Brasil não merecia isso, e não adianta tentarmos racionalizar e dizer que os políticos nos representam, porque isso definitivamente não é verdade.
Eles nos representariam se, no cardápio de candidatos à nossa escolha, houvesse bons nomes; se a representação estadual no congresso não fosse tão deformada; e se a política não fosse o jogo sujo e viciado que é.
O meu país não tem nada a ver com esta podridão; o espetáculo nojento a que estamos assistindo não é um espelho do Brasil, onde a maioria das pessoas, ao contrário da maioria dos políticos, é gente de bem, gente trabalhadora, que dá duro para sobreviver e não cai na gandaia com delúbios e valérios.
Olhem em torno e me digam se não é verdade: vejam as suas famílias, os seus amigos e os seus vizinhos, os seus colegas, os porteiros, as balconistas das lojas, os jornaleiros, os gerentes dos bancos. Ninguém é santo, não somos, graças a Deus, uma população de anjos, mas somos, no atacado, gente boa e solidária, cumpridora dos seus deveres e das suas obrigações, numa eterna corda bamba para chegar ao fim do mês.
O que anda me matando de tristeza é ver o pouco caso com que é tratada a nossa gente, o uso perverso que se dá ao seu suado dinheirinho, o nada absoluto que, desde os tempos da colônia, recebe dos poderosos.
Será que esses grão-senhores não têm pena dos que estão espoliando?! Será que não têm compaixão dos que ficam sem escola, sem saúde e sem comida por causa da sua sede insaciável de poder e dinheiro?! Será possível que nunca, jamais, em tempo algum, este país venha a ter um governo e uma elite econômica que sintam ternura pelos brasileiros, que se comovam com a sua sorte, que ponham os interesses do povo acima dos seus próprios e mesquinhos interesses?!
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Há coisa de duas semanas, pensei em escrever sobre a eficiência da polícia inglesa, que descobriu num tempo que me pareceu recorde quem eram os terroristas do metrô. Isso, claro, foi antes do assassinato covarde do brasileirinho que cometeu o tríplice crime de não ser louro, de usar jaqueta e de correr de pessoas que vinham ao seu encalço com a pior das intenções.
O destino deste pobre rapaz me encheu de amargura. Todos conhecemos a história dele, todos conhecemos alguém que deixou o país, suportando a cidadania de segunda classe do exílio em troca de um empreguinho razoável. Há uma ironia horrorosa nisso, de sair do Brasil, tão violento, para ser morto num país supostamente seguro, como a Inglaterra — afinal, é aqui que a polícia mata antes e pergunta depois, é aqui que a vida humana não vale nada, não é mesmo?
Por outro lado, o erro fatal da polícia inglesa só ficou claro porque o morto, além de brasileiro, se chamava Jean Charles de Menezes; duvido que o engano teria sido assumido, ou sequer descoberto, se, brasileiro ou não, ele se chamasse Ali, Salim ou Osama.
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Para o prefeito de Londres, os culpados pela morte de Jean Charles de Menezes foram os terroristas, que transformaram a Inglaterra num país de paranóicos. Ele errou. Os verdadeiros culpados por esta tragédia são os mesmos culpados pelos mortos nossos de cada dia, que tombam pelas esquinas sem alarde, vítimas de balas perdidas, de traficantes, de policiais equivocados. Os verdadeiros culpados são os nossos políticos, gerações deles, que nunca se preocuparam em criar um país mais justo, com educação e oportunidade para todos. Falar é fácil, falar bobagem é mais fácil ainda. Mas fazer, que é bom, ninguém faz.
É indamissível que, num país do tamanho do Brasil, com tanta riqueza e tanto por construir, com tanto dinheiro saindo pelo ladrão, tantos Jean Charles ainda tenham que deixar sonhos e família para trás em busca de trabalho e de esperança.
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