terça-feira, julho 26, 2005

ELIANE CANTANHÊDE De crenças e crendices

Folha de S Paulo

  BRASÍLIA - Lula continua no mesmo lugar onde sempre esteve: no palanque. Foi líder sindical, enfrentou a ditadura, disputou eleição atrás de eleição, virou deputado e chegou a presidente como palanqueiro. É o melhor que sabe fazer na vida. Mas, agora, até nisso está derrapando.
Nos discursos no Planalto, abusa do tom errado, na hora errada, para o público errado. País afora, fala como candidato, não como presidente atolado numa crise sem precedentes e devendo sérias explicações à nação.
Não há Marcos Valério, não há cueca, não há Telemar, não há saques milionários, não há Land Rover? E a cúpula do governo e do PT não caiu como um castelo de cartas? Na versão Lula, tudo se resume à luta de classes. O povão, nadando em fartura (com o Fome Zero e o Primeiro Emprego?!), contra banqueiros, empresários, imprensa e a CIA, que pegam em armas contra a política econômica Robin Hood, revolucionária.
Lula está cercado de marqueteiros, de ministros que mal conhece e de um partido esfacelado, mas "confia no seu taco" -ou seja, no seu discurso populista. Fala para quem não quer ver nem ouvir, só acreditar. Fala ao coração, não à razão.
Com a credibilidade ladeira abaixo, o presidente dialoga com as classes "C", "D" e "E", reforçando um pronome: "nós". A elite de um lado, "nós" de outro. Mesmo entre escolarizados, há quem acredite.
Tal como leitores da Universal defendem ardentemente o direito de seus bispos de comprar jatinhos de R$ 57 milhões com o dízimo amealhado de miseráveis, petistas roxos crêem piamente que não há escândalos, só há uma guerra dos ricos e poderosos contra o pobrezinho do operário.
Políticos manipulam a boa-fé de milhões, especialmente num país desigual como o Brasil. Mas o pior cego é o que não quer ver.

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