terça-feira, julho 26, 2005

Editorial de O Globo Idéia fixa

O Globo


Parece entrar na rotina do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nessa crise política, fazer improvisos em que acusa grupos de tentar encurralá-lo. Mais grave ainda, Lula adotou esse temerário discurso diante de claques de sindicalistas, representantes dos chamados movimentos sociais, como se estivesse mandando recados para o Congresso e instituições em geral, onde tramitam de forma ordeira, e como estabelece a lei, as investigações das graves denúncias que envolvem o PT e o braço do partido que aparelhou o Estado brasileiro. Denúncias essas, ressalte-se, que têm sido comprovadas.

Na sexta, para uma platéia de petroleiros, no Rio, Lula foi claro: "(...) não vai ser a elite brasileira que vai me fazer baixar a cabeça". No fim de semana, em São Bernardo, num encontro de cegonheiros (transportadores de veículos), Lula evitou o tema, mas o enredo da fantasiosa conspiração contra o governo foi citado de forma indireta pelo líder sindical do setor, com a promessa de colocar a categoria nas ruas para defender o presidente.

A tese chavista da tal conspiração foi lançada por José Dirceu, na saída do governo, e abraçada pelo presidente, logo depois, num discurso no interior de Goiás. Posteriormente, a conspiração apareceu na boca de Delúbio Soares e foi citada na nota em que Sílvio Pereira, a bordo do jipe de luxo recebido de um empreiteiro da Petrobras, despediu-se do PT. Nem um, nem outro são companhias indicadas ao presidente da República.

Lula teme que a oposição tente incriminá-lo no Valeriogate ou Delubioduto, que nome tenha, acusando-o de crime de omissão, diante de um suposto conhecimento prévio da existência do caixa dois do PT. Ora, por enquanto, não há indícios de que a tese prospere a ponto de pefelistas e tucanos proporem o impeachment. E mesmo que isso venha a ocorrer, que o presidente se defenda dentro dos limites impostos pelo Estado de direito. Mobilizar claques e grupos organizados para ganhar as ruas não ajuda a estabilidade do país e pode contaminar a economia com as incertezas da política. O discurso chavista serve apenas de biombo para proteger o esquema de corrupção montado nas cercanias do Palácio.

A tese da existência de elites desestabilizadoras não resiste a qualquer análise realista dos fatos, pois essas mesmas elites é que têm protegido o presidente no Congresso e fora dele. Basta analisar os nomes da bancada dos políticos aliados do presidente.

Lula precisa ter consciência de que o risco de desestabilização do governo foi gerado no PT e próximo do gabinete dele, numa conexão entre sindicalistas, negocistas e traficantes de interesses dentro da máquina pública, tudo lastreado numa operação de avassalador aparelhamento do Estado. A defesa de Lula está, repita-se, na depuração do governo desses interesses, no seu afastamento em relação ao PT e na seqüência de medidas para desaparelhar o Estado, como a tomada na quinta-feira para reduzir a cota de cargos de confiança à disposição de nomeações meramente políticas e fisiológicas. O resto é pisar em terreno desconhecido e perigoso.

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