terça-feira, julho 26, 2005

PSDB-MG usou valerioduto em 98-Azeredo diz desconhecer garantias de secretarias estaduais a empréstimos

O Globo

Rodrigo Lopes
Especial para O GLOBO
BELO HORIZONTE

Tomar dinheiro em bancos, usar como garantia contratos com governos e repassar recursos a candidatos é um esquema que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do mensalão do PT, comanda há pelo menos sete anos. A direção nacional do PT recorreu ao chamado valerioduto logo depois das eleições de 2002, provocando a pior e mais grave crise do governo Lula. Marcos Valério, porém, já tinha feito uma triangulação parecida em 1998 com a coligação que apoiava o tucano Eduardo Azeredo, candidato à reeleição no governo Minas Gerais, como mostram documentos obtidos pelo GLOBO. Hoje, Azeredo é senador e presidente nacional do PSDB.

Naquele ano, em 19 de agosto, a agência DNA Propaganda, de Marcos Valério, contraiu um empréstimo de R$ 11,7 milhões no Banco Rural, em Belo Horizonte. É o mesmo banco envolvido, sete anos depois, no escândalo com o PT. A agência de publicidade ofereceu como garantia os créditos decorrentes de contratos assinados com as secretarias de Estado de Comunicações e de Governo de Minas Gerais para a produção e a veiculação de peças publicitárias. A previsão era de que o empréstimo seria pago em 28 de outubro (três dias depois do segundo turno das eleições), com juros de 1,55% ao mês.

Repasses para pelo menos 70 pessoas

Logo em seguida, uma outra empresa de Marcos Valério, a SMP&B, repassou dinheiro para pelo menos 70 políticos ou pessoas ligadas a políticos mineiros que pertenciam à coligação que apoiava Eduardo Azeredo. Os repasses, somados, ultrapassam R$ 1,6 milhão. Constam da lista de beneficiados dez deputados estaduais de Minas, que tiveram mandatos nas duas últimas legislaturas, e dois prefeitos do interior do estado: Marcelo Gonçalves (Pedro Leopoldo) e Sebastião Navarro (Poços de Caldas).

Na lista dos beneficiados aparecem os deputados federais Romel Anizio Jorge (PP), que teria recebido R$ 100 mil; e Custódio de Mattos (PSDB), que teria ganhado R$ 20 mil. Custódio disse ontem que recebeu o dinheiro mas que seu "entendimento foi todo com a coordenação da campanha de Azeredo". Também aparece na lista Paulo Abi-Ackel, filho do relator da CPI do mensalão, deputado Hibrain Abi-Ackel. Ele recebeu R$ 50 mil.

Antônio Marum, assessor da ex-senadora Júnia Marise, recebeu R$ 125 mil. Em 1998, Júnia foi candidata à reeleição pelo PDT em substituição ao candidato da coligação ao Senado Hélio Garcia (PTB), que desistiu da candidatura.

Dois atuais conselheiros do Tribunal de Contas de Minas Gerais, que na época disputavam vaga na Assembléia Legislativa, Elmo Braz e Wanderlei Ávila, também receberam dinheiro da SMP&B, segundo os documentos.

Acordo liquidou o empréstimo

O empréstimo não foi pago. Por causa do não cumprimento do contrato, o banco executou a dívida e pediu a penhora de bens dos sócios da empresa, Marcos Valério, Cristiano Mello Paz e Ramon Hollerbach Cardoso, que assinaram o contrato como devedores solidários.

Em 29 março de 2001, o banco enviou oficio à 1 Vara Cível de Belo Horizonte comunicando que estava em curso uma negociação e solicitando a suspensão do processo por seis meses. Em um acordo feito em 11 de abril de 2003, a ação foi encerrada. Com os encargos, a dívida chegou a R$ 13,9 milhões. O Banco Rural aceitou receber apenas R$ 2 milhões para liquidação do débito.

Em nota oficial, o banco informou que o acordo liquidou a dívida junto à instituição e que não poderia fornecer mais detalhes para não desrespeitar a lei do sigilo bancário. Já os diretores da DNA afirmaram que o empréstimo foi pago na íntegra, incluindo juros e multas.

A primeira campanha da DNA em Minas foi na década de 90, com o então governador Hélio Garcia. Depois, a agência participou do governo Azeredo, de 1995 a 1998, ficando de fora na gestão de Itamar Franco (PMDB), entre 1999 a 2002. A SMP&B voltou a ganhar contratos no atual governo, do tucano Aécio Neves, suspensos depois do escândalo com o PT.

Tramita no Supremo Tribunal Federal denúncia do Ministério Público de Minas sobre o governo de Azeredo que, por contrato feito pelas estatais mineiras Copasa e Comig com a SMP&B, em 1998, patrocinou o Enduro da Independência, em 7 de Setembro do mesmo ano, no valor de R$ 3 milhões. De acordo o processo, o então governador Azeredo e o atual vice-governador de Minas, Clésio Andrade (eleito em 2002 pelo PFL, mas hoje no PL), teriam se beneficiado do contrato nas eleições daquele ano. Clésio foi sócio de Valério na SMP&B, de onde saiu para ser candidato.

Azeredo diz desconhecer garantias de secretarias estaduais a empréstimos

Rodrigo Lopes
Especial para O GLOBO

BELO HORIZONTE. O senador mineiro Eduardo Azeredo, presidente do PSDB, disse que não tinha conhecimento do empréstimo feito pela DNA com a garantia das secretarias estaduais de Governo e de Comunicações. Azeredo alegou que, em agosto de 1998, quando o empréstimo foi feito no Banco Rural, viajava muito em campanha e não mexia com a parte financeira.

— Houve um custo muito alto para uma eleição. Foram R$ 8,5 milhões na época, mas está tudo declarado e aprovado pela Justiça. O governo federal está tentando desviar o foco. Passaram-se três eleições, não faz sentido discutir uma campanha de 1998 — reclamou ele.

Azeredo diz que não tinha como interferir

Azeredo disse que, como candidato à reeleição ao governo do estado, não tinha como interferir em repasse de verbas da agência de publicidade a aliados.

Ele também divulgou uma nota ontem. No texto, afirma ser descabido misturar "situações antigas com as denúncias atuais". Segundo o senador, sua campanha ao governo de Minas, em 1998, foi feita pelo publicitário Duda Mendonça e suas contas foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral. Na nota, Azeredo reafirma que gastou R$ 8.555.878,97 na eleição e que a documentação referente a suas contas foi detalhada ao TRE.

"É descabido que se busque misturar situações antigas já resolvidas na forma da lei, bem como pessoas de credibilidade, com as graves denúncias atuais envolvendo setores do governo federal e de partidos aliados, tentando assim desviar o foco da investigação que deve ser feita sobre as mesmas", diz a nota.

O deputado federal Custódio Mattos (PSDB), que recebeu R$ 20 mil, disse que o dinheiro foi depositado em sua conta para bancar gastos de campanha de Azeredo. O adversário, o ex-presidente Itamar Franco (PMDB), tivera boa votação no primeiro turno na região de Juiz de Fora.

— Azeredo me pediu que fizesse um esforço na minha região de Juiz de Fora. Meu entendimento foi todo com a coordenação da campanha de Azeredo. Eles me avisaram que depositariam R$ 20 mil. O dinheiro não tem nada a ver com a minha campanha, que já tinha terminado. Eu já havia fechado a prestação de contas — disse Custódio. — Até o escândalo estourar, eu nunca tinha ouvido falar em Marcos Valério.

Romel Anizio (PP), que recebeu R$ 100 mil, não foi encontrado ontem.

Segundo assessoria, Valério cuidava da parte financeira

A assessoria da DNA não quis dar informações ontem, alegando que somente Valério poderia falar. Na semana passada, a DNA admitira que os sócios fizeram o empréstimo, mas não soube explicar o destino do dinheiro. O assessor de imprensa da agência, Rodrigo Padron, disse que os outros sócios não poderiam dar detalhes da operação. Sobre os depósitos bancários em contas de políticos e pessoas ligadas a políticos, Padron disse que só o diretor financeiro poderia dar detalhes.
Relações perigosas

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