sábado, maio 28, 2005
AUGUSTO NUNES:Desconfiem dos cargos de confiança
28.05.2005 | Nas democracias parlamentaristas, um primeiro-ministro pode sobraçar o bastão de mando por muitos anos ou poucos meses. A duração do mandato depende essencialmente do homem instalado na cabine de comando, com poderes suficientes para influenciar a direção dos ventos e a força das ondas. Mas a viagem estará sempre exposta à mão do imponderável. Um escândalo dos bons, um escorregão desastroso, a descoberta de delinqüentes infiltrados na tripulação – qualquer imprevisto de grosso calibre pode provocar mudanças abruptas na cúpula do governo.
Pouco importa o tamanho da turbulência política: a administração pública seguirá funcionando sem sobressaltos, com a habitual eficácia. Cumpre ao chefe de Estado – o rei ou a rainha, nas monarquias, ou o presidente da República – administrar a crise da sucessão (porque toda sucessão, a rigor, é uma crise). Mas o processo de transição não costuma produzir efeitos visíveis sobre o cotidiano, graças a um dos melhores inventos da democracia parlamentarista: a burocracia permanente, formada por funcionários escolhidos pelo critério da competência.
Tome-se como exemplo as eleições recentemente promovidas na Inglaterra. Uma eventual derrota do Partido Trabalhista resultaria na queda de Tony Blair, na chefia do governo há oito anos. O sucessor certamente redesenharia as grandes linhas fixadas por Blair e nomearia, na composição do gabinete, parceiros afinados com o novo programa de governo. No partido vitorioso também seriam pinçados altos assessores, estreitamente vinculados ao coração do poder, incumbidos de assegurar as alterações na rota, o cumprimento das grandes linhas fixadas pelo poder central. Ocupam cargos de confiança, palavra adequada tanto ao posto quanto ao ocupante. Cargo de confiança é isso aí. Na Inglaterra, não passam de cem. Repito: são menos de cem?
Nos cargos e salas restantes, cuja relevância garante acesso fácil ao primeiro-ministro, nada muda. Ali permanecem funcionários especializados, entre os quais predominam veteranos selecionados com base em quesitos técnicos. Seja qual for o partido no governo, seja qual for a inclinação política dos funcionários, nunca ocorrem mudanças sensíveis na equipe. É gente que aprendeu a administrar com sensatez programas ou projetos concebidos para melhorar a qualidade dos serviços públicos.
Como haviam feito os antecessores, como fará seu sucessor, Tony Blair manteve intocado o quadro burocrático que herdara. Sem essa burocracia permanente, cuja estabilidade decorre da competência reiterada diariamente, nenhuma administração pública alcançará o grau de eficácia que os contribuintes merecem. A fórmula inglesa foi adotada por outros países, com ligeiros retoques e sempre com resultados animadores. Na França, são cerca de 1.000 os cargos de confiança preenchidos por critérios políticos. Nos Estados Unidos, há pouco mais de 2.000. Nas duas nações, a consolidação da burocracia permanente reduziu notavelmente a taxa de corrupção. E livrou a administração pública dos surtos de paralisia que costumavam manifestar-se nas mudanças de governo.
Tais surtos se assemelhavam aos que afligem o Brasil nesses períodos de transição. Numa nação sempre superlativa (e cada vez mais cafajeste), crescem em dimensão e intensidade. Abstraídos os 35 ministros ou secretários especiais, são pelo menos 20.000 os cargos de confiança (oficialmente qualificados de "cargos em comissão"). Espalham-se por superintendências, diretorias e subdiretorias penduradas nas árvores da floresta federal. Petrobrás, Eletrobrás, Itaipu são madeira de lei, e nenhum dos incontáveis galhos escapa ao olhar guloso dos caçadores de dinheiro público. Outros trechos da selva, menos exuberantes, são igualmente lucrativos. É o caso dos Correios, sabe-se agora. Ou do Instituto de Resseguros do Brasil. Quem diria. O IRB parecia em descanso eterno na tumba das velharias cartoriais. Ressuscitado pelo PTB, voltou à vida arrastando cofres à espera de arrombadores.
Por que os partidos da, digamos, "base aliada" (incluído o PT) brigam tanto pela ocupação de gabinetes cuja existência a maioria dos brasileiros ignora? "Eles querem ajudar o governo a administrar o país", explicou num programa de TV o ministro José Dirceu. Conversa fiada. Eles querem é roubar. Os corruptos escurecem com manchas abjetas a imagem do governo e do país. Essas não causam preocupações. Só os afligem manchas de suor no colarinho branco. Fazem questão de trabalhar em ambientes com ar condicionado.
no mínimo
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