Aprovada a CPI, normal seria o Governo se organizar no Parlamento para não deixar a oposição transformá-la num palanque eleitoral, esquadrinhar a empresa sob suspeição a fim de prevenir novas surpresas, tratar de chamar às falas e aos costumes os personagens que lhe criaram constrangimentos a fim de pôr de lado o joio e mostrar-se à sociedade como trigo de boa qualidade.
Ao invés disso, o Governo briga com o PT, ameaça punir quem tenta estancar a trajetória rumo as profundezas e faz pouco caso de correligionários tradicionais donos de votos e boa imagem, como o senador Eduardo Suplicy, um ser "estranho" no dizer do ministro José Dirceu.
Junto com o presidente do PT, José Genoino, Dirceu fez ameaças, alegou quebra de confiança por parte dos petistas ditos infiéis e, num rasgo de total desconexão com o mundo real, convidou-os a sair do partido.
Enquanto isso, deixou, sem uma palavra de indignação, nenhum gesto de repúdio, prevalecerem as humilhantes versões do deputado Roberto Jefferson e do secretário de governo do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, a respeito de suas andanças em busca de aliados contra a abertura de processo político para investigar o envolvimento de parlamentares no esquema de corrupção nos Correios.
Pelo visto, não causou desconforto ao ministro o relato detalhado da caça feita por ele e pelo ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, ao presidente do PTB, cujo ápice teria sido um pedido "quase de joelhos" para a retirada das assinaturas do partido de Roberto Jefferson.
José Dirceu também não reagiu e, portanto, aceitou ao espalhafato de Garotinho dizendo ter ouvido "de um ministro" – tendo o cuidado antes de contar ter recebido telefonema de Dirceu – súplicas candentes no sentido de ajudar a barrar a CPI. "Um cara-de-pau", sapecou o secretário, sentenciado em primeira instância por abuso de poder econômico na eleição de sua cidade natal.
Anthony Garotinho foi assim devidamente reabilitado como interlocutor abalizado. E mais: autorizado a prosseguir no uso desse tipo de tratamento, de resto familiar para quem já apelidou o PT de "partido da boquinha".
Note-se que o PMDB, partido de Garotinho, tem nas mãos a presidência dos Correios e abriga, como líder no Senado, Ney Suassuna, o senador que convenceu Roberto Jefferson a receber um lobista interessado em negócios de chantagem.
O mesmo Ney Suassuna, segundo Eduardo Suplicy, contava dia desses no Senado os meandros das tratativas fisiológicas entre o Executivo e o Legislativo.
Contra Suassuna, José Dirceu, Aldo Rebelo, José Genoino e companhia parecem não ter nada. Já Suplicy é estranho, infiel e oportunista.
Roberto Jefferson também não soa inadequado como parceiro, ainda que tenha originado todo o problema ao ser apontado pelo funcionário subornado como mandante do crime e dito, de acordo com o relato não desmentido, que "o PT empurra sujeira para debaixo de tapete, todo mundo sabe disso".
"Irresponsáveis", na visão do ministro da Educação, Tarso Genro, são os petistas que assinaram o pedido de CPI. Ficou devendo sua opinião sobre aliados que jogam lama na reputação do partido e do Governo.
Nenhum dos petistas signatários da CPI impôs qualquer reparo, nem sob a forma de insinuação, à conduta moral dos correligionários com postos no Governo. Trataram apenas de respeitar os fatos, mantendo-se em sintonia com a sociedade, alertando seus pares para o equívoco em marcha.
Mas estes fizeram opção preferencial por agregados cuja proximidade nada tem a ver com afinidade política, ideológica, social, doutrinária ou histórica. Jogaram aos companheiros toda a culpa, absolvendo gente cuja identidade é fundada na cobiça fisiológica e que, amanhã ou depois, pode aparecer na CPI envolvida em questionáveis transações.
A escolha não parece voluntária. Mais provável é a hipótese de que o Governo briga com os seus porque não tem autoridade nem autonomia suficientes para castigar quem merece.
Ética e obediência
Mestre em administração, autor do livro Ética na gestão de pessoas, estudioso do assunto há 15 anos, o professor Flávio Farah acha que o dilema ético do PT tem origem na essência autoritária de seus comandantes.
"A moral do autoritarismo não é baseada na justiça, no respeito nem na honestidade. O principal valor do autoritário é a obediência. Para ele, o certo é obedecer, errado é desobedecer. No caso do PT, isso é visível na importância que dá à disciplina partidária", diz.
o dia
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