Os franceses vão às urnas amanhã para aprovar ou rejeitar a nova Constituição da União Européia (UE). As pesquisas apontam o favoritismo do "não", hipótese que, se confirmada, criaria um problema grave para a instituição. Ainda que as urnas contrariem os prognósticos e os franceses digam "sim", na quarta será a vez de a Holanda fazer o seu plebiscito e, lá, a vantagem do "não" é mais expressiva do que na França.
Já é o caso, portanto, de imaginar os cenários pós-rejeição. Membros de governos europeus, a maioria dos quais fortemente envolvidos na campanha pelo "sim", vêm falando que a alternativa à aprovação é o caos e que a Europa não tem um plano B. O ministro da Justiça da Holanda, num evidente delírio, chegou a afirmar que a recusa da Carta poderia lançar o continente numa série de guerras como as que se deram nos Bálcãs.
Exageros à parte, não há dúvida de que um triunfo do "não" criaria dificuldades institucionais. A nova Carta, para entrar em vigor, precisa ser aprovada por todos os 25 países membros da UE. Cada um deles é soberano para definir como ratificará o documento, se através de consulta popular ou via Parlamento. Quando o presidente da França, Jacques Chirac, optou pelo referendo, imaginava, embasado nas pesquisas de então, que os franceses diriam maciçamente "sim", o que serviria como um exemplo para Estados mais recalcitrantes, como o Reino Unido. A França é, junto com a Alemanha, o motor do bloco.
Se a nova Constituição não entrar em vigor, fica valendo o status quo atual, definido pelo Tratado de Nice. O problema desse documento é que ele foi concebido para uma Europa com 15 membros, e não com 25. Exige, entre outras coisas, que a maioria das decisões do bloco sejam tomadas por unanimidade. No atual contexto, isso daria, por exemplo, à pequena Malta, com seus 400 mil habitantes, o poder de bloquear uma medida com a qual os outros 24 países, que representam uma população de 456 milhões, estivessem de acordo.
A eventual rejeição acenderá um amplo debate jurídico acerca do que poderá ser feito para tentar salvar a nova Constituição. O mais provável é que se chegue a uma solução política. Líderes europeus poderiam tentar salvar alguns dos mecanismos da Carta derrotada aprovando-os por outros meios. Outra possibilidade seria voltar a submeter o texto aos franceses num futuro não muito remoto, sob um outro governo.
Essa solução fica mais verossímil quando se considera que muitos dos votos pelo "não" são na verdade um protesto contra a atual administração francesa. Entre as razões apontadas para a recusa aparece, por exemplo, a abolição do feriado de Pentecostes recém-decidida pelo governo. Boa parte do eleitorado não soube separar a questão européia da frustração com a política doméstica.
De resto, também parece pesar em favor do "não" uma suposta defesa da autonomia francesa. Grupos de esquerda fizeram campanha pelo "não" afirmando que a nova Carta era ultraliberal e poderia solapar o Estado do Bem-Estar Social do país. Curiosamente, uma das razões apontadas pelos ingleses para rejeitar a Carta (o plebiscito deverá ocorrer em 2006) é que ela é "socialista" demais.
Se a rejeição se confirmar, a Europa dos 25 atravessará uma crise. Não há motivos, contudo, para acreditar que a UE não sobreviveria a mais essa dificuldade. O bloco já demonstrou que funciona, é vigoroso e relevante para seus membros e para o mundo.
folha editorial
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