"O governo americano, que sob a chefia
do presidente Bush invadiu o Iraque e
provocou a morte de 100 000 pessoas,
sem nenhum aparente escrúpulo de
consciência religiosa, agora luta contra
a eutanásia de uma pobre mulher na Flórida"
Quando perdem sua função original, os tabus religiosos e sociais desmoronam. Assim aconteceu com o divórcio. Está acontecendo com o aborto, que começa a ser legalmente aceito em certas condições e é correntemente realizado às escondidas. Acontecerá com a eutanásia, que até hoje só existe com proteção da lei em uma dezena de países europeus.
A eutanásia é praticada no mundo todo, inclusive no Brasil, em segredo, por decisão de médicos e famílias que não aceitam assistir passivamente ao sofrimento de pacientes irrecuperáveis que gostariam de morrer em paz. Devido a leis retrógradas e tabus ancestrais, não se leva em conta o interesse da maioria dos pacientes que são mantidos em estado vegetativo ou precisam enfrentar dores lancinantes ao fim de uma doença incurável.
É ultrajante a situação dessa americana, Terri Schiavo, cuja vida se tornou objeto de disputa judicial e política. Terri tem 41 anos e há quinze vegeta sem consciência de si mesma. Seu caso é irrecuperável. O marido, seu guardião legal, quer a eutanásia, pelo desligamento dos tubos que fornecem alimento e água à doente. Alega que ela desejaria isso. Os pais de Terri discordam e a briga na Justiça se arrasta há doze anos. Entende-se o confronto dos parentes diante de uma decisão tão perturbadora como tirar a vida de alguém que se ama, mesmo que por piedade. No curso da batalha na Justiça, os tubos que mantêm Terri viva foram desligados e religados duas vezes. Há uma semana, as sondas foram retiradas pela terceira vez, por ordem da Justiça.
Terri Schiavo entrou na agenda das organizações que lutam a favor e contra a eutanásia. Usam-na como símbolo. Seu caso também entrou no radar dos políticos. Os parlamentares republicanos e o presidente George W. Bush estão pessoalmente empenhados em "salvar a vida" de Terri, para agradar a seus eleitores, entre os quais muitos são religiosos ultraconservadores que abominam aborto, casamento de gays, uso de embriões para curar doentes e a eutanásia. Pobre Terri. Transformou-se numa bandeira na mão de oportunistas. O governo americano, que sob a chefia do presidente Bush invadiu o Iraque e provocou a morte de 100.000 pessoas, sem nenhum aparente escrúpulo de moralidade ou algum clarão de consciência religiosa, agora luta para se mostrar contra a eutanásia de uma pobre mulher na Flórida.
Nos Estados Unidos, a morte assistida por médicos pode ocorrer legalmente em apenas um estado, o Oregon. No Brasil, o Congresso chegou a receber alguns poucos projetos de lei regulando o assunto. Foram imediatamente engavetados. Os parlamentares temem perder votos do eleitorado conservador ou religioso, que associa eutanásia a suicídio e até mesmo a assassinato. As pessoas aprenderam que só Deus pode determinar a hora em que uma pessoa deve morrer. Pergunta: qual dos milhares de deuses criados pelos homens ficaria encarregado de decidir sobre a morte de cada um de nós? Netuno? Xangô? Shiva? Alá? Jeová? Na Holanda, cerca de 3.000 pessoas morrem a cada ano com a eutanásia. Com o tempo, o mundo se curvará ao bom senso.
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