A escalada de acontecimentos anômalos e o festival de desqualificação moral coletiva na cena política estão levando cabeças mais sensatas de Governo e oposição a concluir pela necessidade de reduzir a tensão das disputas, evitando a radicalização do debate eleitoral antes do tempo.
Mais precisamente antes que o eleitorado se canse de ambos e resolva ele mesmo radicalizar em 2006, seja optando por expressar seu desagrado no voto nulo, seja agregando-se a uma eventual candidatura fora dos padrões que capitalize o espírito de revolta e decepção.
Nenhuma das duas hipóteses interessa às forças políticas tradicionais, notadamente àquelas que imaginam-se – cada uma no seu campo – mais representativas do pensamento da sociedade em matéria de demanda eleitoral.
Só que, já se viu em episódios recentes, num ambiente degradado, qualquer coisa é possível, a começar pelo desmonte de cenários previamente desenhados, como hoje é o da provável polarização eleitoral entre PT e PSDB, em parcerias ainda não definidas com PFL e PMDB.
A fim de que não se vejam todos engolidos por um processo de resultado imprevisível, uma pausa para a moderação começa a ser percebida como a providência mais sensata a ser tomada agora tanto pelo Governo quanto pela oposição.
Não é um projeto de concepção ou operação formal, muito menos conjunta. Ninguém sentou na mesa com ninguém para executar um plano de armistícios.
Além da impossibilidade óbvia – já que o quadro também não é de crise e não está se falando em união nacional de forças políticas adversárias –, há de parte a parte os adeptos do conflito.
São, na realidade, movimentos que vão sendo feitos quase como uma reação natural à desorganização vigente, tendo em vista a deixar a disputa eleitoral propriamente dita para mais adiante, em seu devido tempo.
Ao Governo, não interessa o desgaste imposto por um enfrentamento, e à oposição tampouco convém entrar num clima de disputa sem ter um candidato que possa representar o contraponto ao presidente Luiz Inácio da Silva.
Um trecho da conversa entre o presidente da República e o deputado Michel Temer, presidente do PMDB, na segunda-feira passada, diz muito a respeito disso.
Combinaram termos civilizados de relação, expuseram com clareza os respectivos propósitos políticos, chegaram a esboçar um modelo de troca de interesses e ajuda mútua, mas no tocante ao projeto de reeleição de um, e de candidatura própria do partido do outro, a palavra de ordem adotada foi “deixar o futuro para quando o futuro chegar”. Ou seja, para 2006.
Até lá, o comportamento de conflito crescente, concluíram, só renderia perdas para ambos. A mesma frase sobre o arquivamento temporário do futuro havia sido dita dias antes ao ministro da Casa Civil, José Dirceu, pelo deputado Geddel Vieira Lima.
Ele foi o primeiro a ser procurado pelo Palácio do Planalto, por intermédio do ministro Jaques Wagner, para construir uma ponte entre o Governo que só conversava com a ala do partido que já o apoiava, mas cobrava cargos, e o grupo oposicionista que, a continuar fora desse diálogo, corria o risco de terminar perdendo controle sobre a máquina pemedebista.
A partir daí, outros oposicionistas, como o deputado Eliseu Padilha, foram também sondados sobre a possibilidade de aproximação. A tarefa coube ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, a pedido dos ministros Dirceu e Tarso Genro.
Na conversa com o chefe da Casa Civil, Geddel Vieira Lima disse da disposição de seu grupo ao entendimento e abriu até a possibilidade de, se o partido assim decidir em convenção nacional, vir a aceitar a reeleição sem abrir dissidência de apoio a outra candidatura.
Mas deixou claro também que trabalhará internamente para que Lula não seja a opção do PMDB. Quem será é uma questão de aberto. O PSDB, disse ele, não necessariamente seria o caminho. “Não atrelo meu projeto político ao ex-presidente Fernando Henrique, até porque ele não atrela a mim o seu destino”, disse.
Mas, na condição de integrante do Governo FH e interlocutor do ex-presidente, Vieira Lima apontou o desconforto causado pelas constantes referências negativas do Governo e do PT e ele. “Peço que não falem mal do Fernando Henrique”.
Coincidência ou não, pois do encontro não transpirou se houve solicitação de recíproca, fato é que FH mudou o tom do discurso nos últimos dias.
Um caso como esse da suspensão da reforma pleno de erros crassos do Governo seria em condições normais – as de poucas semanas atrás, para não ir muito longe – uma oportunidade imperdível para a oposição desqualificar não só o PT e o Governo, mas a figura do próprio presidente Luiz Inácio da Silva, pois o assunto, escolha de ministros, era diretamente afeito a ele.
FH, ao contrário do esperado, deu um passo atrás: praticamente saiu em defesa de Lula, considerando a suspensão da reforma uma manifestação de retomada de autoridade e reação às imposições de natureza fisiológica.
O ex-presidente não estaria sendo infiel aos fatos se apontasse a responsabilidade do presidente no episódio. Mas, por algum motivo, desta vez fingiu que não viu.
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