terça-feira, março 29, 2005

Jornal O Globo - Luiz Garcia:Donald no Brasil


Alguém pode explicar o que veio mesmo fazer no Brasil na semana passada o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld?


Oficialmente, Rumsfeld veio caitituar a escolha de empresas americanas para fornecedoras de radares ao Sistema de Vigilância da Amazônia. Curioso motivo: que diferença faz para a política militar americana — que se saiba, é nisso que o visitante trabalha — a origem dos radares do Sivam? O qual só existe para proteger o território brasileiro?

Secretários de Defesa cuidam de assuntos militares, não comerciais. E a venda dos radares é um ato de comércio, a não ser que façamos uma concessão à paranóia imaginando que os americanos querem nos vender radares que depois de instalados mantenham — atenção, isso é muito sutil — dupla nacionalidade.

A única indicação de um outro motivo para a viagem foram os comentários espontâneos do visitante sobre a anunciada decisão do presidente Chávez, da Venezuela, de comprar cem mil fuzis AK-47 da Rússia.

Segundo Rumsfeld, isso não seria bom para o continente. Como diplomacia, a declaração é uma gafe — e não se fala mal de terceiros países em visitas a nações que com eles mantêm declarações amistosas. A gafe fica mais antipática quando acontece na frente de um inocente em problemas internacionais como o vice-presidente brasileiro.

Obviamente, o secretário de Defesa só pode ter um motivo razoável para criticar a compra dos fuzis: é na hipótese de ter a certeza — que não mencionou — de que as armas não são para os soldados venezuelanos e sim para as guerrilhas colombianas. Mas isso é uma hipótese, até agora desacompanhada de provas. Ressalva importante: não seria um absurdo. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é um ex-militar golpista cuja conversão a um modelo populista-esquerdista é vista com enlevo e carinho pelo presidente Lula, tão inocente em relações internacionais quanto seu vice.

A verdadeira missão de Rumsfeld seria convencer Lula a também ver com suspeita a encomenda aos russos? Mas ele precisaria ter argumentos concretos para isso. Por exemplo, o exército venezuelano tem armamento moderno e não precisa dos fuzis russos. Ou que o número de militares do país não justifica o volume da compra. Simples suspeitas de mais uma trampolinagem de Chávez até poderiam ser comunicadas discretamente ao governo brasileiro. E pelo Departamento de Estado, nunca pelo secretário de Defesa.

Até prova em contrário, portanto, Rumsfeld gastou seu tempo vindo ao Brasil para tratar de assunto que não lhe compete e cometer uma gafe. Parece até que a vida anda mansa demais no Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

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