O governo fez a coisa certa ao decidir não renovar o acordo com o FMI. Não faria sentido um país com superávit em transações correntes, acúmulo de reservas cambiais, com uma dívida externa que caiu US$ 16 bilhões no ano passado e que não sacou nenhuma das parcelas recentes do acordo continuar com acordos de financiamento com o Fundo. O Brasil não precisa de meta de superávit primário; sabe que precisa manter superávit e as contas em ordem por razões nossas.
Durante a transição da ditadura para a democracia, o FMI não quis fazer um acordo que desse garantia à transição. A proposta foi levada pelo então presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, mas não foi aceita pelo FMI. Eles acharam que era arriscado apoiar o governo Tancredo Neves sem saber como ele seria.
Em 2002, foi diferente. O acordo que havia sido feito na época das crises cambiais de 98 foi mantido por todo o segundo mandato do governo Fernando Henrique. Durante o período eleitoral, quando ficava cada vez mais claro que o Brasil passaria por uma mudança política importante, o Fundo aceitou renovar o acordo com um volume de empréstimo ainda maior, que ajudasse a blindar o país naquela passagem.
Nos últimos anos, todos mudaram. O PT, quando era oposição, criticava o FMI, os acordos, as metas de superávit primário, as metas de inflação e as cartas de intenção, que considerava intervenção em assuntos internos. No governo, o PT manteve o acordo, subiu o superávit primário, perseguiu metas de inflação e renovou as cartas de intenções. Hoje elas não são mais necessárias.
Uma das vantagens dessa decisão pode ser a queda do risco-Brasil e melhorias do país no ranking de classificação. O que, na prática, significa queda do custo de financiamento do país.
O país passará pelo teste de seguir com a prudência de manter contas públicas em ordem, superávit primário e queda da relação dívida/PIB. O Brasil já sabe a esta altura que não conter os gastos pode representar aumento de impostos; não reduzir a dívida, pode significar riscos para a economia como um todo. A hora portanto era, sim, de uma separação amigável.
Mudança de atitude
Hoje o Banco Central divulga o relatório trimestral de inflação, que pode confirmar uma nova forma de perseguir a meta, que está indicada na última ata do Copom. O relatório pode ajudar a esclarecer algo que parece contraditório: o mercado elevou novamente sua previsão de inflação para o ano, enquanto o Banco Central parece indicar que vai parar de subir as taxas de juros.
O que a ata disse, no parágrafo 26, é que o BC também estará olhando as projeções de inflação além do ano calendário, para 12, 15 e 18 meses. Neste intervalo maior, a inflação prevista está próxima ou abaixo até da meta estabelecida. Esta forma mais longa de acompanhar o que acontece com a inflação não é exatamente abandono da meta, nem mesmo uma mudança oportunista da metodologia. Economistas com experiência no assunto acham que o Banco Central pode perfeitamente perseguir a meta num prazo mais longo e não apenas nos 12 meses de cada ano.
Os preços começam a dar um pequeno sinal de trégua. O IPCA-15 ficou abaixo do piso das previsões de mercado, em apenas 0,35%. Mas existem mais reajustes de ônibus urbano pela frente, o que deve elevar a taxa a curto prazo. A inflação acumulada em 12 meses, que está atualmente em 7,39%, vai cair ao longo dos próximos meses, mas, claramente, está mais para 6% do que para a meta de 5,1%.
Mesmo assim, depois de uma elevação forte da taxa de juros, por sete meses consecutivos, o que o Banco Central deve fazer agora é esperar um pouco. O relatório trimestral de inflação deve indicar o que o modelo do BC está projetando para os próximos meses e de que forma passará a seguir a meta de inflação. É aconselhável que, depois de tanta elevação dos juros, o Banco Central decida aguardar o efeito da política monetária. Até porque, como ele mesmo disse na ata, o efeito da política monetária para este ano está próximo de se esgotar e, a médio prazo, as projeções estão próximas da meta.
De qualquer maneira, o BC deixou uma porta aberta para novas elevações da Selic, já em níveis altíssimos: avisou que, se a situação externa piorar, os juros podem vir a subir novamente. E por situação externa se entenda: aperto além do previsto na política monetária americana e manutenção da tendência de alta dos preços do petróleo.
Para fortalecer o efeito da alta dos juros dos últimos meses, o governo deveria estar enfrentando seu aumento de gastos de forma mais dura. Não cortando investimentos, mas enfrentando o aumento de gastos de pessoal e de custeio. Daqui em diante, precisa ficar ainda mais atento. O fim do acordo com o FMI não pode ser interpretado pelos políticos como uma licença para gastar.
As medidas anunciadas pelo novo ministro da Previdência, Romero Jucá, para enfrentar o déficit da Previdência são boas, deveriam ser rotina e estão longe de serem suficientes para se atingir as metas que ele anunciou de redução do déficit. É preciso mudanças mais estruturais, mas, de fato, há um aumento recente das despesas previdenciárias que precisam ser entendidas e enfrentadas. No geral, tudo parece ótimo: afinal, mesmo caindo o superávit primário neste fevereiro em relação a fevereiro do ano passado, o país está com 4,8% do PIB de superávit; mas quem olha os números por dentro sabe que as despesas de custeio e de pessoal estão subindo demais e isso está erodindo a confiança na economia.
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