Qualquer embarcação flutua em tempos de bonança externa. Com juros baixos e crescimento nos EUA e demanda exponencial da China, as mais exóticas decisões de política são possíveis tanto no Norte como no Sul.
No Norte prevalece uma total negligência em relação ao multilateralismo. O governo Bush emitiu péssimo sinal ao indicar para a presidência do Banco Mundial o vice-secretário de Defesa, Paul Wolfowitz, que, independentemente dos atributos pessoais, é reconhecido como ideólogo da doutrina de política externa da administração Bush. Lembre-se que para embaixador dos EUA nas Nações Unidas o governo Bush nomeou James Bolton, também reconhecido como conservador e crítico da ONU.
A maior dificuldade do pós-guerra foi precisamente a ausência de organismos multilaterais fortes que pudessem oferecer respostas adequadas em momentos de crise. Os choques do petróleo dos anos 70, a crise da dívida externa dos países latino-americanos dos anos 80 e a sucessão de crises do México, Ásia e Rússia dos anos 90 poderiam ter sido menos dramáticos se houvesse mecanismos multilaterais mais sólidos.
O tripé de instituições multilaterais que havia sido concebido por ocasião do fim da Segunda Guerra já nasceu capenga. O FMI e o Banco Mundial ficaram aquém dos projetos originais e, no lugar de uma organização de comércio, vingou tão-somente o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla em inglês). A OMC surgiu apenas em meados dos anos 90 como resultado da Rodada Uruguai.
O atual ciclo de expansão mundial seria, em tese, um momento adequado para avançar na liberalização comercial, permitindo maior acesso dos países em desenvolvimento aos mercados mais ricos. No entanto não se percebe nenhum esforço sério de negociação por parte dos principais jogadores -União Européia e EUA. Assim, não avança a Rodada Doha.
Por conseqüência, também não avançam os blocos comerciais que poderiam fazer diferença para os países do Mercosul, como a Alca e o acordo-quadro Mercosul-União Européia, que teve mais uma reunião sem resultados nesta semana em Bruxelas.
No Brasil, os efeitos favoráveis do crescimento mundial são celebrados, como na ata do Copom divulgada na quinta-feira, que assinalou que "a forte expansão econômica ao longo de 2004 foi confirmada pelo crescimento de 5,2% do PIB, a maior taxa dos últimos dez anos".
Porém, tal momento não está sendo aproveitado para reduzir os gastos correntes do Estado e permitir maior investimento público e privado mediante a redução dos juros. A redução dos gastos públicos nesse contexto poderia representar aquilo que no jargão do economês se denomina "crowding-in" do investimento.
Mas, pelo contrário, as indicações são no sentido de elevação dos gastos na máquina pública. Além, é claro, do enorme custo fiscal que representa a manutenção de juros reais estratosféricos, em patamar de 12% a 13% ao ano.
Anúncios como o de quinta-feira -o pacote para reduzir o rombo da Previdência- não alteram o quadro geral. A meta de reduzir o déficit previdenciário em R$ 20 bilhões nos próximos dois anos, anunciada pelo novo ministro Romero Jucá, é considerada ambiciosa pelos seus próprios pares de governo. Mas o problema maior reside na insuficiência dos mecanismos acionados. Para que o sistema previdenciário brasileiro se torne solvente, serão necessárias novas ondas de reformas nos próximos anos.
Em outros países em desenvolvimento, a inadequação ou a omissão da política econômica é ainda mais grave. O populismo de Chavez é o paradigma da irresponsabilidade. Mesmo assim, a Venezuela cresceu mais do que o Brasil em 2004 (17%), o que só se explica pelo espetacular choque favorável de termos de troca, dado o nível no qual se encontra o preço do petróleo.
O governo Kirchner, por sua vez, teve êxito na renegociação da dívida externa, mas incorre em grave erro ao promover verdadeiras campanhas contra esta ou aquela empresa. Abusos do setor privado devem ser punidos com severidade, mas com regras claras e com respeito ao devido processo legal. As campanhas que o presidente Kirchner vem promovendo contra empresas estrangeiras fazem bem aos seus índices de popularidade no curto prazo, mas causam enorme dano às instituições argentinas. E conseqüentemente ao desenvolvimento daquele país.
Diante da fragilidade do quadro internacional, não surpreende que qualquer insinuação das autoridades monetárias dos EUA, de que os juros podem subir mais rapidamente, provoque tanta apreensão no mercado.
Crescer em tempos de bonança externa não constitui vantagem. A virtude reside em aproveitar a fase atual da economia mundial para um desenvolvimento em bases sólidas. Ou pelo menos para sobreviver a possíveis tempestades. Infelizmente isso não está ocorrendo. Nem ao Norte, nem ao Sul.
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