Não foi apenas um desafio ao presidente da República o discurso chantagista do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) exigindo a escolha do correligionário Ciro Nogueira (PP-PI) para a pasta das Comunicações sob a ameaça de seu partido bandear-se para a oposição. Por si só, o "ultimato" lançado pelo presidente da Câmara já seria motivo para que o primeiro mandatário, em favor de sua autoridade, não mais cogitasse de atender ao pedido do Partido Progressista. A manifestação do deputado, todavia, transmitiu algo mais ao país: se restava alguma dúvida, ela pôs a nu os métodos fisiológicos que vêm presidindo a interação entre Executivo e parlamentares.
Na realidade, o caráter chocante do discurso de Severino não residiu na tentativa de intimidação propriamente dita, mas no fato de ela ter sido proferida em público. Essa, aliás, tem sido uma característica do líder da Câmara. A cada pronunciamento, ele parece empenhar-se em desvelar o subtexto das negociações palacianas, trazendo para a superfície as palavras que comumente se reservam aos bastidores.
Nesse sentido, o "rei do baixo clero" não deixa de cumprir, mesmo involuntariamente, uma função pedagógica. Em seu escasso talento para a dissimulação, Severino -um político que é o que parece- vai ajudando a ilustrar o país sobre o toma-lá-dá-cá em vigor na política nacional.
No caso, porém, o exibicionismo fisiológico do presidente da Câmara ultrapassou todos os limites ao explicitar o tom das conversas em torno da reforma ministerial e ao procurar coagir o presidente da República.
A resposta foi uma reação drástica do Planalto, que parece ter encontrado um bom pretexto para resumir as mudanças, por ora, a apenas duas pastas. Preencheu, com o petista Paulo Bernardo, a vaga do Planejamento e, na Previdência, trocou o peemedebista Amir Lando pelo seu colega de sigla Romero Jucá. No primeiro caso, agradou ao PT e ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e, no segundo, ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Ao que tudo indica, a decisão do presidente Lula buscou um conveniente efeito de "freio de arrumação", com a vantagem de encenar um "soco na mesa" contra o acintoso festival fisiológico em que se transformara, com sua própria colaboração, a disputa pelos ministérios.
O Executivo ganha mais tempo -como se muito já não tivesse despendido inutilmente com isso- no intento de recompor as suas alianças e a base de apoio. Os olhos do Planalto parecem voltados cada vez mais para o PMDB, cuja ala oposicionista vai dando sinais de que não considera prudente apostar todas as fichas contra a reeleição de Lula.
Caso logre ampliar o apoio desse condomínio de facções, atraindo grupos que, embora desgarrados, o apoiaram em 2002, o presidente talvez encontre uma situação mais favorável para si próprio e para seu partido com vistas às próximas eleições, podendo, ademais, desvencilhar-se das chantagens do PP e de seu presidente da Câmara.
Ao adiar as novas definições, condicionando-as a acertos vindouros, o presidente Lula, que, segundo seu porta-voz, já teria a reforma ministerial pronta "na cabeça", deverá continuar concentrando energias naquilo que realmente o preocupa e a seus "companheiros", ou seja, a montagem da estratégia político-eleitoral para a reeleição e os pleitos de 2006.
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