quinta-feira, fevereiro 10, 2005

VEJA Eles agora são "republicanos"



Eles agora são "republicanos"

Os petistas batem no peito dizendo
ser "republicanos". Mas isso não
quer dizer absolutamente nada


Mario Sabino

Montagem com fotos de Ana Araújo/Ricardo Stuckert/Rafael Neddermeyer/AE/Sergio Lima/Folha Imagem

"Herdamos uma máquina administrativa ineficiente, desprovida, em boa parte, do sentido republicano."
Presidente Lula, em 10 de dezembro de 2004

Em dezembro último, uma palavra imiscuiu-se nos discursos dos próceres petistas, em sua forma adjetivada – "republicano". Salvo engano, o primeiro a empregá-la foi o professor Luizinho, líder do governo na Câmara. Ele disse que uma operação da Polícia Federal colocou em risco o processo republicano. O presidente Lula não perdeu a deixa e, numa reunião ministerial realizada dias depois, afirmou: "Herdamos uma máquina administrativa ineficiente, desprovida, em boa parte, do sentido republicano, sem vocação para realizar políticas em proveito da maioria". No mesmo mês de dezembro, Lula lançou o "Pacto de Estado em favor de um Judiciário Mais Rápido e Republicano". A porta estava aberta para que os petistas usassem o termo com a prodigalidade com que os coronéis nordestinos andam distribuindo cartões do Bolsa-Família. Um dos que mais reincidem é o ministro da Educação, Tarso Genro, aquele que há poucos dias posou ao lado do ditador cubano (e republicano) Fidel Castro. Genro disse que a política de cotas nas universidades era "republicana, inclusiva, democrática".

"A ação da PF foi conduzida politicamente por uma facção da corporação, à revelia do comando, colocando em risco as instituições, o processo republicano e o crescimento do país."
Deputado Professor Luizinho, em 2 de dezembro de 2004, referindo-se à Operação Sentinela, que lançou suspeitas sobre empresa de propriedade do ministro das Comunicações, Eunício Oliveira

Como o sistema de governo brasileiro deixou de ser monárquico em 1889, quando foi proclamada a República, e não parece haver no horizonte uma ameaça de reinstauração do antigo regime capitaneado pela família Orleans e Bragança, é intrigante a adoção do adjetivo pelos petistas e a insistência na sua utilização. Uma escarafunchada nos jornais mostra que o motivo não é insondável. O pessoal do PT brande a palavra em resposta ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em artigo publicado num jornal paulista, em outubro do ano passado, sobre a renhida campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo, FHC comentou que havia "sinais inquietantes de perda do sentimento genuinamente republicano de conduzir o processo político". Resumindo: porque o tucano disse que os petistas não são republicanos, os petistas começaram a repetir tal qual o corvo do escritor americano Edgar Allan Poe: "Somos, sim; somos, sim".

As palavras têm história, e a de "republicano" é longa, complicada e com final infeliz. Remonta à Roma Antiga, quando o regime da res publica – sem um único soberano e de atenção à coisa pública, ao bem comum, à comunidade – substituiu o dos reis, a mona archia – o governo de um só homem. De palavra que designava oposição à monarquia, a palavra "república" passou, nos séculos seguintes, a conceituar qualquer sistema, inclusive o monárquico, que se contrapunha a governos injustos. Mais adiante, no Renascimento, por meio de Maquiavel, "república" tornou-se a denominação de um sistema aplicável apenas a pequenos territórios, o que perdurou até o século XVIII e deu sustentação à criação das repúblicas que compunham a colcha de retalhos do que mais tarde seria a Itália. Com a Revolução Americana e a Francesa (que foi mais "republicana" na época do Terror), essa noção é subvertida. A palavra "república" perde a conexão com a territorialidade – e, no caso da Americana, liga-se à democracia representativa.

"É republicana, inclusiva, democrática."
Ministro Tarso Genro, sobre a política de cotas para universidades públicas, em 26 de janeiro

"É um programa que orgulha seu governo e que orgulha todo cidadão sério, de boa-fé, democrata e republicano."
Sobre o ProUni, no mesmo dia

O advento do comunismo propiciou o aparecimento das "repúblicas populares", em que a democracia representativa dá lugar à ditadura do proletariado. Havia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, como há ainda a República Popular da China e a República de Cuba. Para não falar dos sistemas de estrutura tribal africanos, originados da descolonização, que também se autodenominam "repúblicas", como a República do Congo e a República de Uganda. Ou seja, todos eram ou são "republicanos" – de Thomas Jefferson e James Madison a Lenin, Fidel Castro e Idi Amin Dada. No Brasil, o ditador Getúlio Vargas era "republicano", bem como o presidente bossa-nova Juscelino Kubitschek e o general linha-dura Emílio Garrastazu Médici. Genuinamente, se perguntados. Pode haver um final mais infeliz para uma palavra do que perder o significado exato?

"Caso a gente veja um aumento desse risco (de apagão), a gente terá aqui no ministério a obrigação, o compromisso público e republicano de avisar a sociedade."
Ministra Dilma Rousseff, em 25 de janeiro

Assim, quando batem no peito e se dizem "republicanos", não se sabe ao certo o que os petistas querem dizer. Se desejam afirmar-se "partidários da democracia representativa", é uma bobagem sem tamanho, visto que há monarquias bem mais democráticas do que muitas repúblicas, como a Inglaterra e a Suécia. Talvez não queiram dizer nada e tudo não passe de uma pinimba com FHC, o que é justificável. Mas não é impossível que, por trás do termo que serve de abrigo a um saco de gatos, alguns poucos petistas escondam ainda a vontade de instituir uma res publica de caráter "popular", como a da China, a de Cuba, a da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Para evitar mal-entendidos, recomenda-se aos políticos brasileiros (não só os petistas) que abandonem conceitos e palavras vagos. Ser "republicano" pura e simplesmente não tem sentido. E de sentido é que a política brasileira mais precisa.

  • Publicadoem: Sun, Feb 6 2005 10:41 PM

O GLOBO Anselmo Góis

Abaixo a monarquia

Acredite. Foram retirados do Palácio do Itamaraty, em Brasília, alguns quadros que lembram o período da monarquia.

O que se diz é que foi ordem de Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral, sob a alegação de que “o Brasil é Republica”.

  • Publicadoem: Sun, Feb 6 2005 10:40 PM

Havana é uma festa

Ele adora dançar, tocar seu saxofone
e fazer serenata – eis a vida festiva
do embaixador brasileiro em Cuba


Malu Gaspar

Divulgação
O embaixador: ele decora os discursos de Fidel e é fã de Maria do Carmo, a da novela


Ernest Hemingway escreveu Paris É uma Festa quando morava em Havana, nos anos 50. O embaixador brasileiro em Cuba, Tilden Santiago, está escrevendo três livros. Nenhum deles se chamará Havana É uma Festa, mas bem que poderia. O embaixador, um ex-padre, ex-preso político, ex-jornalista e ex-deputado, está "feliz como pinto no lixo", segundo a definição marota do sambista e mangueirense Jamelão para descrever alguém à vontade e adaptado a determinado ambiente. No posto há um ano e meio, Tilden Santiago virou celebridade em Havana, sobretudo por sua inabalável disposição para badalar em noites de salsa e merengue e em shows em que toca seu saxofone. "O povo cubano adora os brasileiros. Eu me sinto totalmente integrado", diz. O embaixador já tocou saxofone em festival de boleros, num jantar para os presidentes Lula e Fidel Castro e na festa de seu próprio casamento. Cantou num restaurante com o ministro José Dirceu e adora ciceronear atrizes, socialites e empresários brasileiros em visita à cidade, além de jamais declinar convite para chacoalhar ao som do chan chan nos lugares turísticos. Por fim, quando pode, faz serenata para sua mulher embaixo da sacada de sua casa. Es el amor.

"Somos convidados para eventos quase todo dia. O Tilden faz questão de ir a todos os que consegue", conta a embaixatriz, Edivânia da Silva, ex-balconista de uma floricultura de Belo Horizonte com quem o diplomata se casou, em dezembro passado, em Havana. A cerimônia à cubana respeitou a tradição. Os noivos – ele, 64 anos, três filhos, e ela, 41 anos, uma filha – chegaram à igreja a bordo de uma carruagem branca puxada por cavalos igualmente brancos. "Eu sou muito romântico", diz ele. "Aqui, todo mundo é enamorado", diz ela. O ritual foi presidido por um pastor evangélico, mas testemunhado por um rabino, um padre fiel à Teologia da Libertação e vários membros da santería – a versão cubana do candomblé. Entre os padrinhos, havia nomes ilustres de Cuba, como o vice-presidente Carlos Lage e o chanceler Felipe Pérez Roque, que veio ao Brasil em viagem oficial na semana passada. No trajeto da igreja para a residência, onde a festa foi regada a mojitos e daiquiris, os típicos drinques cubanos, os noivos desfilaram num Mercury conversível, ano 1949. "Foi inesquecível. As pessoas saíam das casas para acenar", conta ele. Na festa, uma cantora negra entoou o hino do amor em iorubá.

O casamento e a festa deixaram lembranças indeléveis no círculo diplomático de Havana. "A gente não costuma ver um embaixador fazendo essas coisas, mas num país meio surrealista como Cuba isso cai bem. Ele é querido por aqui, pelos cubanos e pelos diplomatas", diz a brasileira Fátima Rios, mulher do adido comercial francês em Havana. Pode cair bem por lá, mas no Itamaraty a farra do embaixador tem sido vista sob uma ótica menos generosa. "Os diplomatas em geral trabalham muito. Daqui, temos a impressão de que o embaixador poderia se esforçar mais", sussurra um alto membro do Itamaraty. "A função dele é representar o Brasil em Cuba, e não o contrário. Não é ficar fazendo e dizendo tudo o que os cubanos querem", censura Luiz Felipe Lampreia, chanceler no governo tucano. Mesmo no Palácio do Planalto, os companheiros petistas não escondem o temor de que o estilo festivo do embaixador acabe prejudicando a imagem do Brasil.

Fotos do casamento do embaixador: sua mulher cumprimenta o vice-presidente de Cuba, Carlos Lage (no alto), o casal chegando à igreja de carruagem branca e o noivo tocando saxofone na festa
Como é praxe no governo petista, Tilden Santiago ganhou o posto em Havana como prêmio por sua derrota ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2002, quando teve 3,3 milhões de votos. "Fui escolhido graças ao companheirismo do presidente Lula, à minha votação e à minha empatia com Fidel", explica ele. Empatia é pouco. O embaixador escuta com indisfarçável prazer os intermináveis discursos de Fidel Castro, a quem chama de "comandante", e memoriza falas inteiras, que reproduz em conversas com amigos. "Fidel lê as pessoas", diz o embaixador. Sua filha Alessandra, 26 anos, formada em medicina em Cuba, foi apresentada ao ditador em setembro de 2003. "Chorei demais, foi muita emoção estar ali", conta a moça. O embaixador achou por bem registrar o choro da filha diante do ídolo na correspondência diplomática, dando ao fato caráter oficial, o que causou estranheza no Itamaraty. Santiago está escrevendo três livros. Um é a biografia de um padre que lutou em Sierra Maestra, na Revolução Cubana. Outro narra sua visita a Jerusalém. O terceiro reúne as cartas que trocou com os amigos no seu período em Havana, cujo título provisório é Cartas de Havana. Além de ouvir Fidel, o programa preferido do embaixador é ver as novelas brasileiras. Acompanha Senhora do Destino. "Sou fã da Maria do Carmo", diz, referindo-se à personagem da atriz Suzana Vieira. Havana é mesmo uma festa.

  • Publicadoem: Sun, Feb 6 2005 10:35 PM