Quando os fatos criam pernas
Nesse ritmo, muito em breve o partido terá de pensar seriamente num plano alternativo à reeleição de Luiz Inácio da Silva a fim de, na hipótese de não conseguir mais quatro anos de poder, voltar à oposição com um mínimo de rumo e unidade no tocante a ações e pensamentos.
Ao se atirar, literal e explicitamente, nos braços de Garotinho, Virgílio Guimarães fez um gesto de provocação. Pagou para ver a extensão das ameaças de punição por lançar-se e insistir-se candidato, pôs a teste a força política do Governo e, não sendo leso do juízo, imagina-se que o tenha feito sustentado em algum cacife.
Senão para ganhar, no mínimo para integrar com destaque um pólo de resistência e permanente contraponto à liderança de Luiz Eduardo Greenhalgh, caso o candidato oficial do PT venha mesmo a conquistar a presidência da Câmara.
O discurso formal de que os movimentos atuais são mera e legítima performance de disputa eleitoral e uma vez proclamado o resultado tudo volta ao normal, se não é deliberadamente falso, é ingenuamente ilusório.
Nada voltará a ser como antes, pois as coisas estão se distanciando muito de seus lugares. O PT, até agora liberal em relação ao troca-troca no partido do vizinho, mas muito austero na proteção de sua cidadela contra ingerência alheia, já começa a admitir como plausível a prática da filiação temporária de estranhos para não perder a condição de maior bancada da Câmara para o PMDB de Anthony Garotinho.
Ora, uma vez rompida essa barreira – tal como outras foram rompidas –, o princípio anterior fica automaticamente extinto. Assim ocorre com o passo de Virgílio Guimarães em direção a Garotinho. Não tem volta, sinaliza disposição de fazer política não apenas fora, mas a despeito do PT.
Os acontecimentos subseqüentes obedeceram à dinâmica dos processos que criam pernas próprias, independem de vontades, não raro desmontam estratégias.
O Anthony Garotinho que hoje joga em parceria com o petista avulso e boa parte da base parlamentar dita governista é o maior inimigo político do Planalto. Já foi, no entanto, muito amigo da mesma turma que aponta traição em Virgílio, mas também deu as costas aos seus quando em jogo estava a chance de uma vitória.
À exceção de manifestações meramente retóricas de arrependimento, o PT não fez a autocrítica desse e de outros equívocos. De certa maneira isso dá a Virgílio Guimarães autoridade para repetir o mantra segundo o qual movimenta-se hoje em pleno acordo com procedimentos desde sempre adotados pelo PT.
Alia-se a Garotinho um tanto indiferente ao dia seguinte, bem como a cúpula governista revela descuido e menosprezo às conseqüências quando trata as várias manifestações de desapego partidário – do primeiro episódio com os chamados radicais, às recentes desfiliações de petistas desiludidos, passando pelos alertas dos insatisfeitos – como episódios isolados perfeitamente controláveis pelo fato de representar o poder.
Esquece-se, porém, de que a representação não é uma causa, é um resultado.
Lei de Murphy
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