terça-feira, fevereiro 22, 2005
OGLOBO Luiz Garcia Meu menisco esquerdo
Sei que a culpa é minha. Enquanto me mantive consciente e vigilante, vocês são testemunhas: nada existia de mais garantido entre o Céu e a Terra do que a eleição do bravo Greenhalgh — de passado respeitável e bigodes mais ainda — para presidente da Câmara. Mas tive de aposentar, mais por tempo de serviço do que por serviços prestados a uma jamais desabrochada carreira atlética, o meu menisco esquerdo. Operação simples, anestesia complicada. Por estranha razão, neste mundo cheio de sustos, meu corpo se recusava à paz da inconsciência, tão natural em tanta gente. Tentaram de tudo, da peridural ao Johnny Walker sem gelo, e nada. Finalmente, parece que pediram ao Zoológico mais próximo a injeção que eles usam para cesariana em elefantas e tudo se fez a contento. Adeus menisco, alô muletas. Mas ao acordar o Severino estava eleito — num episódio grotesco de incompetência e oportunismo que certamente João Cabral não chamaria de uma eleição severina. Quando voltei a ler jornal, e a pensar em escrever alguma coisa, a fase da necropsia da derrota das tropas governistas já tinha passado. Perdi uma chance de desancar — mesmo com a bonomia dos desapaixonados, tão comum na nossa sofisticada classe política — os erros cometidos pelos supostos gerentes das maiorias. Pequeno prejuízo: seria apenas uma voz miúda no coro dos analistas de uma catástrofe que se explicava por si mesma. Sobra-me espaço apenas para propor o que, aqui e ali, já se sussurra. Severino é apenas um líder classista: chega ao poder para atender aos seus, e o que mais quer são uns trocados. É quase um inocente e o poder real da Câmara, em suas relações com o Planalto, vai, sem trocadilho, para o Inocêncio. Que tem, em esperteza e experiência, o suficiente para administrar o relacionamento com o Executivo, em troca de concessões — digamos assim, para não ofender — materiais. O Planalto sabe jogar esse jogo. Para Severino, o arminho, as viagens e outros atributos dos que reinam sem governar. Rezemos para que o Senhor dê saúde ao Papa, porque, podem apostar, vem aí uma ponte-aérea para Roma e destinos próximos que não vai ser brincadeira. Exagerando um pouco: compra-se a boa vontade do baixo clero com uma atividade intensa da AeroLula Tours. Com o que se comprará a colaboração da Mesa para decisões sérias, não quero nem pensar. Não se pode esperar muito de um presidente da Câmara que fala em aumentar salários de deputados — ignorando até hoje que parlamentares não são assalariados: recebem subsídios. É dinheiro de qualquer maneira, mas a ignorância sobre o nome oficial da remuneração não é mero detalhe, e sim indício de despreparo para tratar de tudo mais que seja importante. A conclusão otimista, portanto, é que teremos uma Mesa da Câmara mais, diga-se assim, profissional do que o perfil de seu presidente. Eu disse conclusão otimista? É óbvio que os efeitos da anestesia paquidérmica ainda não passaram.