Petista ‘ultralight’ dá o norte no Senado
Dora Kramer
Depois de apanhar dois anos consecutivos frente as câmeras e microfones da TV Senado, o governo começa a se organizar para tentar enfrentar em condições de razoável igualdade a oposição na batalha cotidiana da comunicação, tarefa essencial neste ano da graça anterior à eleição presidencial.
“Eles vêm rachando”, prevê o novo líder do PT no Senado, Delcídio Amaral, nem um pouco iludido com a calmaria e a cordialidade do ambiente em que, ao contrário da Câmara dos Deputados, transcorreu a troca de comando no Senado.
Ali residem as maiores dificuldades políticas do governo; dali, os senadores do PSDB, PFL e PDT infernizaram de segunda a sexta-feira a vida do Palácio do Planalto não apenas em discursos, mas em atos que obrigaram a mudanças radicais em propostas, como a das Parcerias Público Privadas; será ali, em 2005, o palco parlamentar da oposição orgânica, não cooptável, dona de projeto de poder para 2006.
Ou seja, é no Senado que mora parte considerável do perigo. A derrota nas urnas municipais de outubro e o desastre de uma semana atrás na Câmara, Delcídio Amaral tem consciência, fortaleceram a tropa adversária. A ser enfrentada, na opinião dele, de uma única maneira: com profissionalismo.
Por “profissionalismo” o líder entende a defesa permanente e bem fundamentada do conteúdo das propostas do governo, o estreitamento das relações entre os parlamentares e a equipe do Executivo e uma relação de firmeza, mas de cordialidade, com os adversários. “Eu, por exemplo, não vou bater boca nem agredir ninguém, vou estabelecer o diálogo na base do argumento, duro se for preciso, mas visando sempre ao entendimento”.
Desde sua eleição, segunda-feira passada, Delcídio trata de entender-se à perfeição com o líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante: “Já estamos montando uma equipe de profissionais qualificados, fazendo modificações significativas na estrutura da liderança”.
A idéia é não deixar crítica sem resposta fundamentada e montar um plantão constante e abrangente, com a participação de toda a bancada, de defensores das posições do PT. “As grandes surras que o governo levou foram inesperadas, às sextas-feiras”.
Não obstante a preocupação com os oposicionistas, Delcídio acha que primeiro o PT precisa se organizar internamente; senão, não conseguirá vencer os obstáculos que criou para si.
“Temos de passar a limpo todos os nossos equívocos, sem briga interna e com profundo realismo”, dizia o senador dois dias depois do advento Severino Cavalcanti, ainda impactado com a gama de desacertos vigentes na seara governista.
Da duplicidade de comando na área política – José Dirceu de um lado, Aldo Rebelo de outro – à indiferença com os compromissos políticos, passando pela já notória arrogância, não raro agressividade, de procedimentos, o líder lista diversos assuntos a serem discutidos numa reunião de bancada convocada para esta semana.
Petista atípico, quase um cristão novo no partido, oriundo da iniciativa privada, dono de um pensamento, digamos, “ultralight”, que inclui opinião favorável aos transgênicos e à independência total das agências reguladoras, Delcídio Amaral enfrentou alguma resistência interna mas não acha que isso o inviabilize como líder. Ao contrário, acredita-se representante de um “novo” PT que, na visão dele, emergirá da inevitável autocrítica resultante da série de equívocos cuja culminância foi a eleição na Câmara.
Mas quem garante as mudanças, já que ele e muitos outros há tempos apontavam erros, defendiam correções e, no entanto, tiveram seus alertas ignorados?
“Desta vez o impacto foi muito grande e o PT, que já vinha adernando para o centro, sem dúvida vai continuar na trilha da adoção de posições cada vez menos dogmáticas”.
O senador reconhece que a agenda política de 2005 será pesada, permeada pela questão eleitoral. Mas lembra que há também uma pauta de conteúdo para a qual o PT precisa estar bem preparado: a complementação das reformas da Previdência e tributária, a votação da reforma política até outubro, a aprovação do projeto das agências reguladoras, as propostas de modificação para exame e votação do Orçamento e, como a premência principal da temporada, cita o debate sobre as restrições às medidas provisórias.
Neste último item, a idéia é deixar de lado as queixas em relação aos exageros do Executivo e, mediante negociação intensa, estabelecer um cardápio de assuntos a respeito dos quais o presidente da República poderá ou não editar MPs.
Na opinião do líder, o PT terá sua chance de sucesso aumentada quanto mais voltado o partido estiver para o projeto coletivo e menos apegado às querelas das tendências e aos projetos individuais de poder.
Duas visões
Há uma posição convergente e duas opiniões divergentes entre governistas a respeito da parceria do PT com o PMDB. A unanimidade é em relação à necessidade de os peemedebistas marcharem unidos em apoio à reeleição de Lula.
A discordância está na forma de obter a unidade. Um grupo acha que se consegue isso dando mais ministérios ao PMDB e outro considera que a ala oposicionista se acalma se o PT parar de interferir na política interna do partido.
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