domingo, fevereiro 20, 2005

folha ELIANE CANTANHÊDE O admirável mundo dos Severinos

BRASÍLIA - Os poderosos de Brasília podem comprar deputados para suas legendas pela bagatela de "20 mil, 30 mil", como diz o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.
Os poderosos de Goiânia, vizinha da capital, podem prender, amarrar e matar sem-teto e voltar, no dia do enterro, para completar o serviço: prender os líderes sobreviventes.
Os poderosos de Anapu, Altamira e vizinhanças no Pará podem assassinar a tiros qualquer um que pareça ameaçar seu império, desde a freira americana Dorothy Stang (naturalizada brasileira) até sindicalistas e meros agricultores que precisam viver, comer, morar.
Os poderosos de Mato Grosso e arredores se dão ao luxo de ter um oceano verde e improdutivo a perder de vista enquanto indiozinhos morrem de fome, um atrás do outro.
Os poderosos do Rio e de São Paulo... bem, desses você está cansado de ouvir falar, porque, nos dois Estados, como em Brasília, há pelo menos interesse da mídia em ver e em reportar. No resto do país nem isso.
O secretário nacional dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, adiou a viagem de nove dias que faria a partir de sexta-feira passada à China para uma "troca de experiências". Quando for, assunto não vai faltar.
Os chineses poderão se vangloriar de julgamentos sumários, execuções e trabalhos forçados. Mas Nilmário não ficará atrás se discorrer sobre arrastões, inanição de índios, torturas em cadeias e mortes violentas na Febem, nas ruas, nas matas, nas zonas rurais. Se sobrar tempo, pode falar ainda sobre corrupção nas polícias, descaso oficial e "estados" paralelos dentro do Estado.
Desde o regime militar, discute-se dolorosamente democracia e direitos humanos no Brasil. As eleições sucessivas de um sociólogo de estirpe e de um retirante e líder sindicalista viriam completar todo um ciclo. Mas a pauta continua extensa. E igual.
Até agora, o grande troféu do governo é o da maior taxa de juros do planeta. Será que é isso que a história espera de Lula?