segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Folha de S.Paulo - Vinicius Torres Freire: Severino, o epifenômeno - 21/02/2005

VINICIUS TORRES FREIRE

Severino, o epifenômeno

SÃO PAULO - Na história da Igreja Católica, a expressão baixo clero tratava de padres ignorantes, concupiscentes, negocistas de bens e bênçãos da igreja, mais ou menos corruptos de corpo e alma. O alto clero, porém, se entregava aos mesmos vícios, sendo a diferença de escala e, por vezes, de qualidade. Antes da decadência cultural da igreja sempre havia um papa a contratar um Michelangelo entre uma amante, um despacho de guerra e uma glutonaria.
A metáfora clerical é perfeita. Severino Cavalcanti parece uma extravagância inimputável e anacrônica, com sua homofobia, seu dinheiro no colchão, seu clientelismo de história em quadrinhos da sociologia política nacional. Mas difere de seus pares do "alto" em escala, apenas e se tanto. De resto, o presidente da Câmara rasga a fantasia dos nobres parlamentares: somos isso aí, Severinos.
A gente de Brasília sempre exagera as conseqüências das batalhas parlamentares, que não são épicos, mas folhetins, cordéis. Lembram da "crise institucional" que se armava com o duelo de titanics, ACM e Jader Barbalho? Deu em nada.
Sim, aconteceu algo no Congresso. Mas Severino é um epifenômeno, subproduto acidental da crise do sistema de clientela e fisiologia do petismo-lulismo, que não cumpre acordos, tratora o Parlamento, manipula partidos sem medir conseqüências. Radicalizaram, deu Severino.
O custo de negociar com o Congresso deve aumentar. Mas não há drama, apenas pasquim involuntário. Enfim, considerem o "alto clero". Renan Calheiros, escudeiro de Collor, preside o Senado. Greenhalgh, pouco antes da tunda, pedia a benção a ACM, que já presidiu o Senado, e regateava convicções com fazendeiros que não gostam da lei contra o trabalho escravo. Genoino, que jogou décadas de pregação socialista rastaqüera no lixo para defender Lula e fez campanha com táticas malufistas. Inocêncio Oliveira, dos poços da seca e do trabalho escravo.
Severino será tão grave assim?

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