terça-feira, agosto 17, 2004

Mario Sergio Conti 17 08 2004 A batalha de Nadjaf e o pandeiro do PT

14.08.2004 Um impressionante silêncio cerca Nadjaf, no Iraque. A cidade santa dos xiitas resistiu uma semana ao bombardeio do exército americano. Mais de 600 pessoas morreram, a maioria civis. O líder da resistência, o clérigo Moqtada Al-Sadr, teria sido ferido. Haveria cerca de mil combatentes armados, dispostos a morrer. A trégua que foi obtida é precária.
E no entanto não se houve um lamento, e muito menos um protesto. Democracias ocidentais e autocracias orientais, partidos de direita e esquerda, países ricos e pobres – todos apóiam silenciosamente a tomada de Nadjaf.
O que significa apoiar a recolonização do Iraque, levada a diante pela força militar da coalizão anglo-americana e por um governo colaboracionista ainda mais escancarado que o do marechal Pétain. O editorial da última edição da “New Left Review” tem o título de “Vichy on the Tigris”. Nele, Susan Watkins lembra os fatos básicos:
Dois terços dos ministros do governo colaboracionista são cidadãos de nacionalidade americana ou inglesa; o primeiro-ministro Iyad Allawi foi agente pago da CIA durante anos; mais da metade dos 3,2 bilhões de dólares investidos em infra-estrutura no Iraque foram alocados na construção de bases militares da coalizão; todo o dinheiro arrecadado com a venda de petróleo iraquiano vai para o Fundo de Desenvolvimento do Iraque, administrado pelos Estados Unidos; os ministros iraquianos são obrigados a se reportar aos comissários e inspetores da coalizão, e serão obrigados a fazer isso nos próximos cinco anos, mesmo no caso de haver eleições; está sendo construída em Bagdad a maior embaixada americana do mundo; pesquisas de opinião pública feitas pelos próprios ocupantes mostram que 92% dos iraquianos consideram as tropas americanas como “ocupantes”, e apenas 2% como “força de libertação”.
A resistência iraquiana tem sido eficaz, para não dizer heróica. E isso apesar de não estar unificada e de não ter nenhum apoio externo – ao contrário do Vietnan e da Argélia nos anos 60, ou da Nicarágua e Angola nos 80. A resistência em Nadjaf tem tudo para ser sufocada militarmente. Mas mesmo no caso da derrota, o exemplo de Al-Sadr tem um valor político em si: ele não se comprometeu com os colaboracionistas.
É isso que diz Pierre-Jean Luizard, autor de “A questão iraquiana”, ao analisar a batalha de Nadjaf:
“Sou tentado a dizer que o Iraque vive hoje uma das suas jornadas históricas, decisivas. Porque ela diz respeito à maior comunidade do país, a xiita. Se os americanos perderem todo o apoio no interior dessa comunidade, a sua situação se tornará insustentável. Raramente uma derrota militar previsível, como a de Al-Sadr, esteve tão ligada a uma vitória política, que também se anuncia como inevitável”.
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Susan Watkins argumenta que não será em novembro, nas eleições americanas, que se decidirá o destino do Iraque. Ela escreve que o candidato democrata, John Kerry, apoiou a invasão, se comprometeu a manter o Patriotic Act, que restringe as liberdades públicas, sustenta a política de Sharon em Israel e pretende convocar mais 40 mil soldados para que o exército americano desempenhe a contento o seu papel de polícia imperial. E ela conclui dizendo que o apoio da opinião pública americana a essa política está condicionado às lutas internas no Iraque: “enquanto golpes duros continuarem a ser dados pela resistência no exército de ocupação e nos seus clientes, o apoio doméstico (americano) à recolonização irá diminuir, a despeito de qual milionário ocupe a Casa Branca”.
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O Brasil não está silencioso diante da recolonização do Iraque. O governo de Luis Inácio Lula da Silva apóia pública e institucionalmente a ocupação. No rodízio da ONU, o Brasil ocupa no momento uma cadeira no Conselho de Segurança. No dia 8 de junho passado, o Conselho aprovou uma resolução, a de número 1546, sustentando integralmente o governo iraquiano. Mais: a resolução afirma que as forças militares da coalizão estão autorizadas a tomar “todas as medidas necessárias” no Iraque, pois o país “continua a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais”. Ou seja, o Iraque, que não tem exército constituído nem armas de destruição em massa, segue sendo uma ameaça que só a coalizão pode fazer frente. A resolução 1546 foi aprovada com o voto do Brasil.
O governo do PT manteve a mesma posição que adotou no Haiti, quando apoiou um golpe militar e uma invasão, urdidas pela França e pelos Estados Unidos, para derrubar um governo soberano. Ao Haiti, mandou tropas e jogadores de futebol. No Iraque, bastou o seu votinho. É por isso que o Brasil demonstra tanto interesse em ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança: para poder tocar pandeiro no concerto das nações, seguindo o ritmo decretado pelos senhores do mundo. A isso se chama política externa independente.
Publicadoem: Tue, Aug 17 2004 5:45 PM

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