FOLHA DE SP - 27/12
Quando o assunto é drogas, Barroso acha que a proibição induz ao crime; quando é doação eleitoral, à virtude
Lênin
chegou ao STF pela via cartorial. O ministro Luís Roberto Barroso
concedeu uma impressionante entrevista à Folha de domingo. Afirmou: "Em
tese, não considero inconstitucional em toda e qualquer hipótese a
doação [a campanhas eleitorais] por empresa". Ele, no entanto, votou
pelo acolhimento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que,
se vitoriosa, impedirá as doações de pessoas jurídicas a candidatos e
partidos. Ocorre que decisões do STF têm a força de uma tese! O ministro
está dizendo que a Constituição, ao contrário do seu voto, não veta
essa modalidade de contribuição. Ele declarou inconstitucional o que
sabe não ser. É intelectualmente escandaloso!
Tivesse uma câmera
na mão, Barroso seria cineasta, já que não lhe faltam más ideias na
cabeça. Ele nos diz qual é a sua restrição: "[a doação] não tem nada a
ver com ideologia. [As empresas] doam ou por medo, ou porque são
achacadas ou porque querem favores". É? Fosse por ideologia, seria uma
ação virtuosa? Será que o PT d'antanho teria conseguido se financiar
caso as empresas fizessem uma triagem puramente ideológica? E se vigesse
o financiamento público? O partido teria deixado de ser nanico?
Só
houve alternância no poder --do PSDB para o PT-- porque doações não
foram feitas por ideologia. De resto, gente achacada, com medo ou em
busca de favores não assina recibo. Pior será o modelo do ministro. Se
achaque houver, não deixará nem pistas. Eis Barroso, que agora tem uma
nova causa: descriminalizar as drogas. Entendo. Quando o assunto é
maconha e cocaína, ele acha que a proibição induz ao crime; quando é
doação eleitoral, ele acha que a proibição induz à virtude.
Como
ignorar que os verdadeiros autores da ADI pertencem a um grupo liderado
pelo próprio ministro? A OAB foi uma espécie de laranja da causa.
Refiro-me a Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da
Uerj, área comandada por Barroso, e Eduardo Mendonça, que já foi seu
sócio e hoje é seu assessor no STF. O ministro julgou de dia uma causa
que ajudou a patrocinar à noite. E não se declarou impedido! Aéticos,
para ele, são os políticos.
Mas Barroso é um queridinho da
imprensa "progressista". Abraça todas as teses politicamente corretas
das esquerdas atomizadas de hoje em dia: casamento gay,
descriminalização das drogas, cotas raciais, aborto... Condenar fetos,
que não podem correr, à sucção e à cureta é visto nestes tempos como
prova de grande coragem. Quanta valentia a risco zero!
Na Folha, o
homem ensaia um voo teórico: "É preciso interpretar [a história] e
fazê-la andar. Está ruim? Não está funcionando? Nós temos de empurrar a
história". Isso é Lênin. Os partidários do barbudo furunculoso (Marx)
entendiam que a sociedade socialista dependia de certas precondições que
a Rússia não oferecia. Lênin, então, lançou a tese da "aceleração da
história", ora abraçada pelo valente. O ministro está dizendo que cabe
ao STF tomar o lugar da sociedade e do Congresso.
Na semana que
vem, voltarei à questão. Barroso é, no STF, a vanguarda de um atraso que
tem história: a substituição do povo por um ente de razão chamado
"partido". Esse homem "moderno" é um tipo que só prospera hoje em dia na
América Latina. É vanguarda, sim, mas do fim do século 19 e início do
20. Em democracias que se respeitam, seria tangido da corte suprema a
varadas --metafóricas claro! Ministro do STF que acredita ser sua missão
"empurrar a história" não pratica "neoconstitucionalismo", mas o velho
porra-louquismo. E com a toga nos ombros. #prontofalei.
PS "" Um
voto para o próximo Natal (o de anteontem já é jornal velho) e para os
anos novos vindouros? Pois não. Que as pessoas sejam autônomas e não
dependam da boa vontade do palavrório de estranhos. Não parece bom?