O GLOBO - 14/12
Descuidamos
de nossos museus, nosso patrimônio, nossos arquivos. Deixamos cair aos
pedaços a Biblioteca Nacional. Mas adoramos automóveis. E televisores
gigantes
“No Brasil, tudo vira moda. Até manifestação de rua.”
Ouvi
essa frase de um motorista de táxi durante os acontecimentos de junho, e
achei um exagero. Rebati, dizendo que o povo nas ruas tinha um
significado imenso e ia propiciar a mudança de várias leis. Ele me olhou
pelo retrovisor e respondeu que era verdade, mas que via muitos jovens,
a caminho das manifestações, agindo como se estivessem indo para um
bloco de carnaval. “É a onda do momento”, insistiu. “Daqui a pouco
passa.”
Em poucas semanas, as manifestações começaram a esvaziar.
Os motivos eram muitos: a ação dos black blocks, as depredações, a
violência da polícia, as denúncias de interesses escusos por parte de
políticos, milicianos, traficantes. Mas não pude deixar de pensar nas
palavras do motorista de táxi.
Tornei a pensar nelas há algumas
semanas, ao voltar de uma viagem de quase um mês à Alemanha. Ao
desembarcar no Brasil, fui tomada pela sensação de que somos mesmo um
país de modismos. Um povo fútil. Sei que é um clichê essa história de ir
à Europa e voltar falando de “um banho de civilização”. Sempre fui
contra isso. Mas, desta vez — depois de visitar 11 museus, duas
exposições, de ir a um concerto de música clássica e de visitar uma
gigantesca feira de livros —, alguma coisa aconteceu comigo.
Acho
que uma das razões dessa sensação foi a leitura, durante a viagem, do
livro de Mario Vargas Llosa, “A civilização do espetáculo”. Embora em
alguns pontos eu discorde do escritor, o livro me chamou a atenção para a
destruição da cultura no mundo moderno, em favor do entretenimento.
Esse conceito me deixou pensando no Brasil — nesse país que não lê
livros, mas onde quase todo mundo tem celular. Onde se veem, nos bairros
pobres, antenas parabólicas sobre casas miseráveis, onde há mais
televisores do que geladeiras, e onde, em vez de bibliotecas, temos lan
houses. País que parece ter passado, em massa, do analfabetismo
funcional para o Facebook — sem escalas.
Outro fator que
contribuiu para a minha sensação, ao voltar, foi essa lamentável
discussão sobre as biografias. Muito me entristeceu ver biógrafos e
historiadores serem tratados como se fossem caçadores de fofocas, quando
o que está em jogo, com essa distorção no Código Civil, é a memória — e
a História — de nosso país. Lamentei ver artistas que sempre lutaram
pela liberdade defendendo posições indefensáveis. Não pude deixar de
comparar o que estava acontecendo aqui com a atitude dos alemães em
relação ao seu próprio passado (e que passado!). Eles não escondem nada.
Não são um país sem memória. Tinham todos os motivos para ser, mas não
são.
Nós somos. Descuidamos de nossos museus, nosso patrimônio,
nossos arquivos. Deixamos cair aos pedaços a Biblioteca Nacional. Mas
adoramos automóveis. E televisores gigantes, com telas de LED. Não
podemos ficar um segundo sem falar ao celular, nem mesmo quando
almoçamos (na Alemanha, os trens têm vagões em que é proibido ligar
celulares e computadores, porque os bips incomodam). Quando viajamos —
refiro-me à nossa classe média —, o que mais gostamos é de fazer
compras. Já somos até conhecidos nas lojas de Nova York e Miami, onde os
lojistas contratam vendedores que saibam falar português. E somos
vaidosos. Queremos espetar botox no rosto e botar silicone nos seios. Já
há meninas de 14, 15 anos, pedindo às mães que as deixem fazer isto.
Nas ruas da Europa, não se vê essa quantidade de seios artificiais que
temos por aqui. Estamos entre os campeões mundiais em número de
cirurgias plásticas. Em cidades como Rio e São Paulo, há quase uma
academia de ginástica em cada quarteirão. Precisamos malhar. E
emagrecer. E não envelhecer nunca. E comprar tênis novos. Mas podemos
passar um ano inteiro sem ler um único livro. Temos péssimos resultados
em matéria de educação — em todos os sentidos.
Voltei da viagem com essa sensação de que somos mesmo fúteis, superficiais, e me lembrei do motorista do táxi.