domingo, outubro 14, 2012
Chacoalhada nas estatais elétricas - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 14/10
Depois de dois apagões que deixaram às escuras Estados do Sul, Sudeste, Norte e Nordeste do Brasil, o governo federal anuncia mudanças na gestão da principal subsidiária da Eletrobrás, a Furnas Centrais Elétricas.
Além de tirar do comando diretores e gerentes que servem aos partidos políticos e substituí-los por profissionais do mercado, a presidente Dilma Rousseff quer acelerar um plano de reestruturação da estatal que inclui demissão de funcionários e mudanças em atribuições de diretorias.
Vai fazer com Furnas o que fez com a Petrobrás: desfazer o loteamento político construído pelo ex-presidente Lula. Nos cargos de comando, é provável que consiga, se não de uma só vez, pelo menos gradativamente. Será mais difícil, demorado e, talvez, impossível desidratar funções intermediárias povoadas por sindicalistas e companheiros petistas. Mas a profissionalização da direção de Furnas é um bom e bem-vindo começo.
A chacoalhada de Dilma nas estatais elétricas inclui também proibir empresas com obras atrasadas da participação em leilões de novas linhas de transmissão, o que excluirá da próxima licitação, prevista para novembro, as três geradoras gigantes do Grupo Eletrobrás: Furnas, Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte). O atraso nas obras chegou a uma situação tão absurda que, no Nordeste, há 32 novas usinas eólicas paralisadas, sem gerar energia, porque a Chesf não entregou as linhas de transmissão no prazo previsto em contrato. O atraso geral pode ser avaliado pela evolução do programa de investimentos em 2012: de R$ 10,2 bilhões de investimentos previstos, as empresas do Grupo Eletrobrás só aplicaram 29,6% (R$ 3,04 bilhões) até agosto.
Desde os tempos dos governos militares o modelo de gestão do setor elétrico estatal é comparável a um feudo, comandado por algum político, que distribui cargos, favorece amigos e usa as empresas para obter vantagens, favores e financiamento de campanhas eleitorais. Nos anos 1970 e 1980, a empresa-mãe Eletrobrás era dominada pelo ex-senador baiano Antonio Carlos Magalhães (ACM), que atuava em parceria com governadores das áreas de influência das subsidiárias. Por muitos anos quem mandou na Eletronorte foi o ex-governador do Pará Jader Barbalho; em Furnas, os governadores de Minas Gerais; na Chesf, o próprio ACM; e na Eletrosul, governadores do Paraná.
Com a morte de ACM, o atual presidente do Senado, José Sarney, herdou o espólio do setor elétrico e o poder de nomear dirigentes para as empresas. Até mesmo o atual presidente de Furnas, o engenheiro Flavio Decat, quadro técnico da confiança de Dilma, passou pelo crivo de Sarney.
O ex-presidente Lula vestiu com perfeição esse figurino e saiu loteando cargos entre partidos aliados, em proporção jamais vista na história elétrica do Brasil.
Começou em 2004, quando demitiu o engenheiro Luiz Pinguelli Rosa da presidência da Eletrobrás e o substituiu por Silas Rondeau, com a bênção de José Sarney. E partiu para as subsidiárias, nomeando indicados que ali estavam para servir e favorecer os interesses de seus partidos. Em Furnas, Dilma conseguiu neutralizar a longa influência do PMDB do Rio de Janeiro e colocou no comando Flavio Decat, que acaba de anunciar um plano de demissão voluntária para enxugar excessos de funcionários e adequar a empresa à nova realidade de queda de receita, com a redução de tarifas, a partir de fevereiro de 2013. Mas Decat tem encontrado dificuldades para mudar vícios e defeitos estruturais em Furnas. Pior será quando a faxina alcançar a Chesf e a Eletronorte, onde há décadas a influência dos políticos locais está enraizada.
Mensalão. "Acho estranho e muito, muito grave, que alguém diga 'houve caixa 2'. Caixa 2 é crime, é agressão contra a sociedade brasileira. Mesmo que tivesse sido isso, não é pouco. É grave, porque parece que ilícito no Brasil pode ser realizado e tudo bem" - nesses quase dois meses de julgamento do caso mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), um dos momentos mais lúcidos e oportunos ficou registrado nesse trecho do voto da ministra Cármen Lúcia, ao reprovar a defesa de Delúbio Soares, que admitiu o crime de caixa 2 esperando, com isso, conseguir absolver o seu cliente.
A banalização e a tolerância com a corrupção marcaram o estilo de governar do ex-presidente Lula. Os partidos aliados pediam e conseguiam cargos e verbas em troca de apoio político ao governo. E, quando o titular do cargo era flagrado em desvio de dinheiro público, recebia de Lula carinho, compreensão, abraço fraterno. A começar pelo delator do mensalão, Roberto Jefferson, em favor de quem Lula disse que assinaria um cheque em branco.
O setor elétrico não foi o único. Todas as estatais, incluindo a Petrobrás (lembram do deputado Severino Cavalcanti pedindo "aquela diretoria que fura poço e encontra petróleo"?), ministérios e órgãos públicos passaram a ser comandados por políticos. Como se fosse algo banal, corriqueiro e necessário para a governabilidade.
Ora, se a corrupção e o desvio de dinheiro público são tolerados, permitidos, por que não o caixa 2, que apenas financia campanhas eleitorais? Assim raciocinam Lula, o PT e a defesa de Delúbio Soares, a quem caberia estar atento à lei, e não dela desdenhar.
A ministra Cármen Lúcia cuidou de lembrá-lo de que caixa 2 é crime previsto em lei, um ilícito que deve ser punido, não ignorado ou perdoado como coisa menor. Portanto, não esperasse o advogado da mais alta Corte do País cumplicidade para seu esdrúxulo raciocínio.
Concessões. Amanhã é o prazo final para as empresas elétricas manifestarem interesse pela renovação das concessões de seus contratos que vencem entre 2015 e 2017. Provavelmente, todas irão responder positivamente, porque a decisão pode ser revista mais adiante. Mas Furnas, Chesf, Eletronorte, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) estão apreensivas.
Além da falta de dados numéricos com que trabalha o governo e que têm efeito na tarifa, a Medida Provisória n.º 579 está longe de ser aprovada pelo Congresso Nacional, criando insegurança jurídica. A queda da tarifa na conta de luz é muito bem-vinda, mas o governo precisa dialogar com as empresas para que não haja cancelamento de investimentos e evitar mais apagões no futuro.