domingo, março 18, 2012

Descontinuidades - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 18/03/12

A atualização de cenários prospectivos sobre o Brasil que a empresa de
consultoria Macroplan faz regularmente indica que, embora o país
esteja "em seu melhor momento econômico em três décadas", ainda falta
uma convergência de esforços, interesses e investimentos da sociedade
e do governo em um projeto de longo prazo.

Para o economista Claudio Porto, presidente da consultoria, esse
projeto significa enfrentar três grandes gargalos que podem desviar o
Brasil de seu rumo: a baixa qualificação do capital humano, que remete
ao grande desafio de acelerar e melhorar a educação e ampliar
dramaticamente as oportunidades de educação profissional;
insuficiência e má qualidade da infraestrutura física, especialmente
nos sistemas de transportes e logística; e forte deficiência no
capital institucional, na qual se destaca a má qualidade da gestão
pública, tanto no Executivo e no Legislativo como no Judiciário.

Como complemento ao monitoramento dos cenários econômicos
prospectivos, uma análise recente feita pela Macroplan sobre a
situação econômico-financeira mundial e os riscos de uma desaceleração
do crescimento no Brasil revelou que, nos últimos 20 anos, ocorreram
13 grandes descontinuidades econômicas, políticas, tecnológicas ou
sociais que impactaram governos, organizações e empresas no mundo e no
Brasil.

O levantamento da Macroplan mostrou que a descontinuidade e a
volatilidade são cada vez mais frequentes nos ambientes econômico,
tecnológico e político, e, portanto, merecem redobrada atenção de
gestores públicos e privados.

Nos últimos 40 anos, em média a cada 3,5 anos, ocorreu uma
descontinuidade e/ou um período de grande volatilidade econômica,
política, tecnológica ou social.

A tendência é de prosseguimento desse padrão de grandes mudanças e
rupturas. Esse é o "novo normal", alerta Claudio Porto.

Rebobinando a fita da História, nas três últimas décadas, o PIB
mundial foi fortemente afetado (para baixo ou para cima) pelas crises
do petróleo, pela crise da dívida da América Latina, pelo desmonte da
URSS e pela Guerra do Golfo, pela crise do Sudeste Asiático e da
Rússia, pela globalização financeira, pelo estouro da bolha das
pontocom, pelo atentado de 11 de setembro de 2001 e, mais
recentemente, pela emergência dos Brics, pela crise subprime e pela
crise soberana do euro.

Na década de 90, segundo Porto, foi gestada a maior descontinuidade
recente e que hoje molda a vida econômica, social, política e cultural
do mundo: o surgimento da internet e, no seu bojo, a economia digital
e a globalização financeira.

Nesta década, a Macroplan destaca a "emergência dos países emergentes"
como a nova descontinuidade que impactará não só a economia global,
mas também a distribuição de poder entre nações e blocos.

O Brasil, além de afetado pelas descontinuidades globais, também
experimentou as suas próprias volatilidades e rupturas.

O PIB nacional foi diretamente impactado pela moratória parcial do
início da década de 1980, pela descoberta de petróleo na Bacia de
Campos, pela moratória do governo José Sarney, pelos planos Collor,
pela privatização e pela abertura econômica no inicio da década de 90,
pelo Plano Real, pela mudança no regime cambial, pelo apagão elétrico,
pela crise de confiança em 2001 e 2002, e, recentemente, pela
descoberta do petróleo no pré-sal e pela emergência da classe C.

Há algo de intrigante, mas também de animador, quando, nesse contexto
de grandes rupturas, o Brasil desponta no cenário mundial como rol de
boas notícias, comemora Claudio Porto.

O que chama a atenção nessa reconstituição histórica, segundo a
Macroplan, é a grande capacidade de adaptação do Brasil - mesmo em
períodos quando sofreu em demasia com as crises -, assim como a
construção de uma crescente resiliência e capacidade de resposta às
descontinuidades e às crises externas - fruto do acúmulo das melhorias
internas, especialmente a consolidação das instituições democráticas,
que leva a um melhor uso dos ativos estratégicos do país.

Na análise da Macroplan, o crescimento econômico e o desenvolvimento
socioambiental do país encontram respaldo em um conjunto de condições
estruturais que asseguram ao Brasil diferenciais competitivos de
grande potencial no âmbito mundial, como: disponibilidade de recursos
naturais, inclusive energéticos; mercado nacional integrado e de
grande escala; solidez e elevado desempenho do sistema financeiro
nacional; dinamismo do mercado acionário; estabelecimento da
normalidade democrática vivenciada nas últimas duas décadas.

Além disso, o crescimento da produção agrícola no Brasil deve ocorrer
com base no aumento da produtividade e na ocupação mais racional de
áreas subaproveitadas.

As estimativas realizadas até 2019/2020 são de que a área total
plantada com lavouras deve passar de cerca de 60 milhões de hectares
em 2010 para 69,7 milhões em 2020.

Por tudo isso, o Brasil está emergindo com imagem cada vez mais
positiva no cenário global. A questão seria buscar eliminar os
gargalos em uma visão de longo prazo, que resultará na possibilidade
de um projeto de desenvolvimento para o país. "Se fizermos o dever de
casa, o país pode acelerar o passo rumo aos padrões de Primeiro Mundo
e provavelmente ganhar uma década de tempo nesta caminhada", conclui
Porto.