domingo, fevereiro 26, 2012

É a China que se defende do Brasil... - Alberto Tamer

O Estado de S.Paulo - 26/02/12


É isso mesmo. A China decidiu se defender reduzindo a sua dependência
relativa da importação de commodities brasileiras, petróleo, soja e
minérios. Ela silenciou à insinuação do governo para conter a invasão
de manufaturados chineses no mercado interno, que competem e
marginalizam a indústria brasileira.

Eles crescem, geram empregos lá, enquanto a produção brasileira
estagna, encolhe e enfrenta um processo de desindustrialização, a qual
já é evidente em muitos setores.

Não só isso, as empresas chinesas, estatais ou controladas pelo
governo, estão usando abertamente o subterfúgio da triangulação a tal
ponto que até produtos "fabricados" no Paraguai continuam entrando no
Brasil. Logo o Paraguai...

O governo tem recorrido a ações para conter essas operações, mas
chegam a levar um ano, como foi o caso dos cobertores de fibras
sintéticas.

Enquanto isso, os manufaturados chineses continuam entrando e
desalojando a produção nacional, o que ajuda a explicar sem dúvida a
estagnação da indústria brasileira em 2011, sem sinais de alento este
ano. Em janeiro ela recuou novamente e os estoques aumentaram.

O que fazer? Como mudar esse cenário? O Brasil não poderia usar o fato
de ser grande exportador de commodities para a China para a forçá-la a
rever sua política agressiva comercial? Afinal, exportamos anualmente
para a China mais de US$ 40 bilhões em commodities, minérios, petróleo
e alimentos, a quase totalidade das nossas exportações, enquanto mais
de 90% das nossas importações são industrializados, agora também
máquinas e equipamentos. Não seria esse um instrumento de defesa, se
vocês exportam mais, nós lhes exportaremos menos... Decidam.

Mas eles já decidiram, vão se proteger do Brasil...

Sim, a China se defende. A coluna levantou essas questões com Jorge
Arbache, professor da Universidade de Brasília e autor de excelente
análise sobre o mercado Brasil-China. "A China é grande importadora de
commodities brasileiras, sim, principalmente soja, minério de ferro e
petróleo mas já se conscientizou dessa dependência e está tomando
medidas para atenuá-la. Vem diversificando cada vez mais seus
fornecedores e até mesmo produzindo em outros países para garantir o
abastecimento futuro", responde Jorge Arbache. Um exemplo, a
participação do Brasil nas importações chinesas de minério de ferro
caíram de 27% em 2007 para 21% no ano passado. Não há duvida, a China
está reduzindo a dependência das importações do Brasil, Austrália e
Índia, hoje são os principais exportadores através da diluição das
importações de mais de 44 países.

Produzir fora. Além disso, continua Arbache, está comprando minas
inteiras especialmente na África e América Latina. O objetivo é não só
se abastecer, mas aumentar seu peso, que já é grande, na formação dos
preços dos minérios no mercado mundial.

Vejam os números. "Os chineses importaram 686 milhões de toneladas de
minério de ferro no ano passado, cerca de 50% do consumo mundial",
lembra Jorge Arbache. Já quanto à soja, somos responsáveis por 38% das
importações Chinesas. Passamos, pela primeira vez, os Estados Unidos
no ano passado, somos agora os maiores vendedores de soja para os
chineses, mas eles compraram 19,8 milhões de toneladas do Brasil, sim,
mas importaram ao todo nada menos que 52 milhões de toneladas.

É isso. Como se vê, diz Jorge Arbache, os chineses querem reduzir a
dependência das commodities e influenciar cada vez mais nos preços.
Querem se proteger e até mesmo ter produção própria fora do país. O
mesmo vale para petróleo, diz Arbache. "Como eles são os maiores
compradores mundiais de muitas commodities, têm enorme e crescente
influência na formação do preço e podem forçar fornecedores a
revê-los. Na verdade, eles já se utilizaram dessa prática inúmeras
vezes, como no caso das importações de minério de ferro."

Brasil depende mais. "Dessa forma, ao contrário do que poderia
parecer, nós dependemos muito mais da China do que vice-versa", afirma
o economista, que se especializou no comércio entre os dois países. "E
quanto mais o tempo passar sob esse regime, maior será o estrago para
nós."

Commodities empobrecem. Mesmo assim, tivemos um superávit comercial
com a China, agora nossa principal parceira, responde Arbache, "mas
devemos observar que os mais visíveis e profundos efeitos da
dependência das commodities, que são a desindustrialização de um lado
e a crescente influência do setor de commodities na economia e na
política do outro lado." "Os setores de agropecuária e extração
mineral empregam menos de 1,6 milhão de pessoas com carteira de
trabalho, enquanto a indústria emprega 8 milhões e em geral paga
salários e oferece condições de trabalho bem melhores. Ademais, os
setores de commodities pagam normalmente muito menos impostos que os
demais, e dependem muito menos da produtividade e da inovação para
exportar."

E então? Então que o Brasil está diante do grande desafio de conter o
aumento e até mesmo reverter essa dependência crescente das
commodities sem afetar negativamente a balança comercial. E isso é
mais grave agora, porque o superávit comercial vem recuando e deverá
ser de US$ 19 bilhões neste ano, em contraste com os quase US$ 30
bilhões em 2011.

Primarização e empobrecimento, um desafio tão sério que iremos
analisar com o professor Arbache na próxima coluna.