quinta-feira, dezembro 22, 2011

Cristina une-se à pior "patota" - CLÓVIS ROSSI



FOLHA DE SPaulo

Guerra ao "Clarín" leva à aliança com quem dizia, no período Menem, "roubar para a Coroa"


A política argentina sempre foi excessiva e desgraçadamente permeada pelas "patotas", grupos em geral violentos que tratam de submeter os adversários pela força, e não pelos argumentos.
É triste verificar que adere ao método uma presidente, Cristina Fernández de Kirchner, vítima da mais selvagem das "patotas", a ditadura do período 1976/1983, que promoveu um autêntico genocídio.
Refiro-me ao episódio de invasão pela Gendarmería da sede da Cablevisión, a empresa de TV a cabo de propriedade do Grupo Clarín, ao qual Cristina, como seu marido e antecessor, Néstor, declararam guerra aberta.
A alegação de que a ação no canal foi determinada por um juiz não resiste ao mais distraído olhar sobre a história.
Primeiro, porque o juiz é de Mendoza, área em que a Cablevisión não opera. Segundo, porque a intervenção é descabida para uma investigação de cunho econômico-comercial (supostas práticas lesivas à concorrência), mais ainda com o uso de força militar. Equivale a considerar culpado o investigado antes da investigação.
"Nunca a Gendarmería havia chutado a porta", escreve, por exemplo, para o "Clarín" Jorge Lanata, o provocador jornalista que criou o "Página12" -que, sem Lanata, deixou de ser provocador e se tornou uma espécie de "Diário Oficial" informal dos Kirchner.
O que torna ainda mais terrível a ação de terça-feira é o fato de que Cristina Kirchner aliou-se ao que há de pior no peronismo, um certo José Luis Manzano, um dos dois donos do Grupo Uno, que pretende expandir seus negócios forçando a divisão de Cablevisión e Multicanal, fusão que havia sido aprovada pelo marido de Cristina quando presidente no tempo em que os dois namoravam o Grupo Clarín.
Sobre Manzano, é eloquente o livro escrito por Horacio Verbitsky, um dos melhores jornalistas argentinos e uma das estrelas justamente do "Página12" kirchnerista. Chama-se "Robo por la Corona", frase que se atribui a Manzano quando cercado de um mundo de acusações no tempo em que era ministro [do Interior] de Carlos Menem, um dos presidentes mais corruptos de um país de história pouco pura nesse terreno.
Há dez anos, "Página12" publicava a seguinte informação sobre Manzano e seu sócio no Grupo Uno, Daniel Vila:
"Uma denúncia ante a Administração Federal de Ingressos Públicos [a Receita argentina] sustenta que o ex-ministro menemista José Luis Manzano e seu sócio, Daniel Vila, cometeram infrações à Lei Penal Tributária e 'lavagem de dinheiro de Manzano' por mais de US$ 400 milhões 'obtidos ilicitamente durante a sua passagem pela função pública'".
Talvez a conivência com essa "patota", nascida no governo, o de Menem, que completou o processo de aniquilamento da Argentina iniciado pela ditadura, explique recentíssima crítica de Miguel Bonasso, que foi líder dos "Montoneros" e é expoente da esquerda peronista, sintomaticamente publicada não por "Página12", mas pelo britânico "The Guardian".
Nela, Bonasso diz que "a Argentina está muito longe do paraíso que é pintado pela propaganda oficial".