O ESTADÃO - 08/11/11
Tenho insistido em que a prioridade número um na terceirização é a proteção de todos os trabalhadores que participam do processo. Mas quem é responsável por essa proteção?
É claro que contratante e contratada têm obrigação de zelar pelas proteções trabalhistas e previdenciárias de seus respectivos empregados, e muitas assim procedem. Mas a terceirização é um processo de parceria em que empregados da contratada trabalham para a contratante. Se há parceria no trabalho, deve haver parceria na responsabilidade. Foi isso que levou o Tribunal Superior do Trabalho (TST) a considerar, acertadamente, que a contratante não está isenta de obrigações, estabelecendo na Súmula 331 a responsabilidade subsidiária.
Esse princípio foi respeitado pelo Senado Federal quando aprovou o Projeto de Lei (PL) n.º 4.302/1998. Todavia, a Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados, em 2008, fez a responsabilidade da contratante passar de subsidiária para solidária. Um novo projeto de lei, o PL n.º 4.330/2004, restabeleceu a subsidiária. Mas há riscos de ser invertida novamente. Quais seriam as consequências disso?
Quando a responsabilidade da contratante é subsidiária, ao buscar os seus direitos, o empregado, na prática, aciona a contratada (de quem é empregado) e a contratante (para quem prestou serviços). Obtendo êxito na ação, a execução se inicia contra a contratada, que, como sua empregadora, tem por obrigação respeitar as leis, os acordos e as convenções coletivas. Na impossibilidade de a contratada honrar tais obrigações, o juiz executa, de ofício, a contratante.
Quando a responsabilidade da contratante é solidária, o empregado aciona diretamente a contratante, tentando buscar seus direitos na empresa que, em geral, tem os bolsos mais fundos, podendo processar também a contratada. Obtendo êxito, a execução recai exclusivamente sobre a contratante. Em muitos casos, esta abre uma nova ação (regressiva) contra a contratada na tentativa de se ressarcir dos prejuízos causados por uma condenação julgada improcedente. É um processo complexo e demorado.
Se a nova lei vier a estabelecer a responsabilidade solidária para a contratante, será o primeiro caso em que o Poder Legislativo autoriza - por lei! - um "liberô geral", dando às contratadas inescrupulosas uma cômoda anistia para poderem passar para outra empresa a responsabilidade por tudo o que fazem ou deixam de fazer - o que não tem cabimento. Afinal, como empregadoras de seus empregados, elas devem ser as primeiras a responder pelas devidas proteções legais.
Qual seria a vantagem da inversão para os trabalhadores? Nunca ouvi uma explicação convincente que mostre algum ganho adicional para eles, uma vez que, no regime de dupla responsabilidade, como é hoje, a contratante responde pelas proteções não honradas pela contratada. Haveria perdas, isso sim, porque, ao explodir um grande número ações contra as contratantes, muitas correriam o risco de insolvência, podendo destruir empregos. Em vista de tamanha insegurança jurídica, não seria surpresa ver projetos cancelados e atividades descontinuadas, em especial as que sabidamente só se viabilizam com terceirização. Tudo isso conspira contra o emprego.
Todavia, um envolvimento maior da empresa contratante é aconselhável. Na última redação do PL n.º 4.330, o artigo 10.º atende a essa necessidade ao estabelecer que a responsabilidade da contratante passa a ser solidária se ela deixar de acompanhar a contratada no que tange ao cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias para com os seus empregados. Estaria aí a pretendida parceria de responsabilidades. É uma solução engenhosa que eleva a responsabilidade da contratante, dá segurança jurídica aos dois lados, protege os trabalhadores e, sobretudo, respeita a lógica e o bom senso.